

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016
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sabe que mulher não passa mesmo’. E eu disse: ‘eu sei, mas eu estou aqui
para farrear’.”
Nesse clima inseguro, foi seguindo as etapas do concurso. Disse ter
ido muito bem na prova escrita e não muito bem na prova oral, durante
a qual um desembargador da banca fez questão de demarcar seu gênero
para desestabilizá-la psicologicamente: “‘Como a senhora é mulher, devo-
-lhe fazer uma pergunta sobre Direito Penal’. E eu não sabia nada”. Qual
seria, afinal, o sentido desse raciocínio pseudo “silogista” do desembarga-
dor? Nenhum, obviamente; apenas deixar a candidata insegura a partir da
sugestão de que as mulheres não teriam competência para a área penal,
uma área “dura” do Direito. Ainda assim, Iracema foi aprovada:
“Foi um concurso grande, passaram setenta e poucos juí-
zes. Não tenho a menor ideia de por que resolveram apro-
var mulher nesse concurso. Passaram seis, só ficaram três,
mas só tinha uma vaga para juiz substituto e duas para
investidura temporária, por isso que a Zélia entrou antes.
E eu virei juíza com vinte anos de magistério nas costas,
com 40 e tantos anos. ”
Compartilhando a percepção de Magui e Zélia, diz que a sua chega-
da à magistratura causou sim impacto na sociedade e que vários jornais e
televisões a quiseram entrevistar, mas que preferiu a discrição: “estarmos
juízas já era suficiente, não precisava aparecer mais”. Tal qual as outras
pioneiras, também afirma que a sua chegada na instituição foi tranquila,
já que, num primeiro momento foi alocada em São Paulo, no Fórum da
Lapa: “Quando chegamos eu e o colega, novatos, fomos recebidos mara-
vilhosamente, porque na Lapa é capital, é diferente. ”
Entretanto, mesmo com essa experiência positiva inicial, com o
tempo chegaram também suas vivências de preconceito de gênero; ao
ser designada para ajudar um juiz no Interior do estado, numa cidadezi-
nha próxima à Sorocaba:
“O juiz de então nem minha mão apertou quando fui me
apresentar. Ele: ‘eu pedi um juiz e mandaram uma mulher? ’
E eu: Pois o senhor pegue esse telefone agora e ligue para o
Tribunal. ‘Não, não... a senhora fica, já que o Tribunal man-
dou’. E ele era um enrolão. O doutor não deu as caras durante