

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016
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talvez tenha pesado um pouco, mas meu pai já tinha falecido.
Comecei como datilógrafa e terminei como assessora do pre-
sidente do tribunal. … Outra coisa que eu fiz de uma maneira
um pouco proposital foi me tornar professora da Universi-
dade Federal. Como é que o tribunal vai dizer que não ho-
mologa a inscrição de uma pessoa que está aqui dentro, que
trabalha há cinco anos, que é assessora da presidência, que
é professora universitária, que é filha do desembargador?”
Surpreendentemente, apenas um ano depois, aos 25 anos, “con-
tra tudo e contra todos”, foi empossada como a primeira juíza do estado.
Mesmo com todo o respaldo que sabia ter durante o concurso, Berenice,
que era simultaneamente concursanda e funcionária do TJ, foi obrigada
a fazer uma série de “lobbies” entre os desembargadores no intuito de
garantir a idoneidade do julgamento das candidatas durante as etapas,
posto que ela soubesse, justamente por trabalhar dentro da instituição,
de diversos casos de impedimento deliberado contra as mulheres:
“Até 1973, todas as inscrições feitas por mulheres eram pre-
viamente negadas. Na minha época, tivemos que brigar para
que as provas não fossem identificadas. Num primeiro con-
curso, de 460 concursandos, mais ou menos 60 eram mulhe-
res. Só quatro passaram porque tinham a letra muito mascu-
lina. Na entrevista de admissão, o desembargador chegou a
perguntar se eu era virgem.”
Na prova oral, pública, pediu para que alguns desembargadores
de sua confiança assistissem aos testes, para que, caso houvesse alguma
disparidade muito grande entre as notas atribuídas e a qualidade das res-
postas, isso não passasse despercebido. Afirma ter chamado outras candi-
datas para que fizessem todas juntas esse pedido, mas que elas, acuadas,
não aceitaram. E, aparentemente, na sua percepção, foi realmente o seu
“séquito” de convidados que ajudou a garantir um mínimo de confiabili-
dade não só na sua própria avaliação, mas também na de sua colega que
fez a arguição logo em seguida, contando, involuntariamente, com a pre-
sença desses “auditores”: