

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016
294
Diz que nunca pensou em ser outra coisa que não juíza e ingressou na
magistratura com apenas 26 anos. Esteve 32 anos na profissão, ocupou a
função de desembargadora no TJSP e se aposentou sem maiores alardes
há poucos meses. Tinha 59 anos quando a entrevistei, é divorciada e tem
dois filhos.
Tem uma perspectiva bastante tradicionalista da magistratura. Para
ela, muitos entres os/as novos/as magistrados/as seriam, nas suas pala-
vras, “franco atiradores”, motivados pelos altos salários. Na sua percep-
ção, os antigos também se diferenciavam qualitativamente pela coragem:
“hoje em dia os juízes não têm mais personalidade como tinham anti-
gamente. ‘Não vou dar isso para um malandro’. E não dava mesmo, não
tinha medinho”.
Além disso, acredita que por conta do volume de trabalho da magis-
tratura, vários desses “franco atiradores” dos concursos estão preferindo
atuar no Ministério Público, onde o salário é igualmente alto, mas o mon-
tante de trabalho é menor, o que ela vê especialmente entre as mulheres:
“A magistratura é uma carreira difícil de conciliar com a fa-
mília e isso afasta as mulheres da carreira. É mais fácil ir pro
Ministério Público. O trabalho é muito intenso, tem que se
mudar muito, você pode ir parar em comarcas distantes. No
MP você ganha a mesma coisa e trabalha muito menos.”
Ainda que por vezes na entrevista Zélia tenha dado a entender que
a questão da desigualdade de gênero dentro da magistratura seria algo
irrelevante para a qualidade da Justiça, a juíza também mostrou plena
noção de que havia um bloqueio sistemático à entrada feminina e viveu
na pele o processo. Inclusive cônscia de seu funcionamento e com uma
segurança que parece constitutiva de sua personalidade, narra como, na
ocasião de seu concurso, foi “armada” para o momento em que se daria
seu confronto direto com a banca examinadora que era, obviamente, to-
talmente composta por homens:
“As mulheres se inscreviam, mas não passavam. Chegava no
oral, eles inventavam alguma coisa e usavam como desculpa
para não aprovarem... alguma pergunta impossível. No dia
da minha prova oral, tinha uma sala lotada e eu fiz um exa-
me lindo, porque eu tinha estudado muito. Eu fui muito bem.