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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016

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Diz que nunca pensou em ser outra coisa que não juíza e ingressou na

magistratura com apenas 26 anos. Esteve 32 anos na profissão, ocupou a

função de desembargadora no TJSP e se aposentou sem maiores alardes

há poucos meses. Tinha 59 anos quando a entrevistei, é divorciada e tem

dois filhos.

Tem uma perspectiva bastante tradicionalista da magistratura. Para

ela, muitos entres os/as novos/as magistrados/as seriam, nas suas pala-

vras, “franco atiradores”, motivados pelos altos salários. Na sua percep-

ção, os antigos também se diferenciavam qualitativamente pela coragem:

“hoje em dia os juízes não têm mais personalidade como tinham anti-

gamente. ‘Não vou dar isso para um malandro’. E não dava mesmo, não

tinha medinho”.

Além disso, acredita que por conta do volume de trabalho da magis-

tratura, vários desses “franco atiradores” dos concursos estão preferindo

atuar no Ministério Público, onde o salário é igualmente alto, mas o mon-

tante de trabalho é menor, o que ela vê especialmente entre as mulheres:

“A magistratura é uma carreira difícil de conciliar com a fa-

mília e isso afasta as mulheres da carreira. É mais fácil ir pro

Ministério Público. O trabalho é muito intenso, tem que se

mudar muito, você pode ir parar em comarcas distantes. No

MP você ganha a mesma coisa e trabalha muito menos.”

Ainda que por vezes na entrevista Zélia tenha dado a entender que

a questão da desigualdade de gênero dentro da magistratura seria algo

irrelevante para a qualidade da Justiça, a juíza também mostrou plena

noção de que havia um bloqueio sistemático à entrada feminina e viveu

na pele o processo. Inclusive cônscia de seu funcionamento e com uma

segurança que parece constitutiva de sua personalidade, narra como, na

ocasião de seu concurso, foi “armada” para o momento em que se daria

seu confronto direto com a banca examinadora que era, obviamente, to-

talmente composta por homens:

“As mulheres se inscreviam, mas não passavam. Chegava no

oral, eles inventavam alguma coisa e usavam como desculpa

para não aprovarem... alguma pergunta impossível. No dia

da minha prova oral, tinha uma sala lotada e eu fiz um exa-

me lindo, porque eu tinha estudado muito. Eu fui muito bem.