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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016

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Pensei ‘esse homem não vai me fazer de boba’. Eu sou muito

geniosa, sabe?”

Fica claro que sua segurança pessoal foi bastante importante no

enfrentamento desse desafio direto, além de sua postura impositiva que

lhe permitiu não aparentar medo diante da banca. Conta, inclusive, que,

nessa ocasião, quando um dos membros começou a lhe fazer perguntas

que considerou descabidas sobre a matéria do Direito, desafiou-o publica-

mente inquirindo “O senhor está fazendo uma prova de Direito ou de Ge-

ografia?”. Ou seja, ela sabia que os homens que lá estavam, em princípio,

fariam de tudo para desestabilizá-la emocionalmente a fim de evitar uma

possível entrada feminina. Só que, através de sua personalidade segura e

impositiva, ela organizou todo o seu curso de ação para se defender disso,

consciente de que teria que contar com essa variável contrária. Segura

de sua competência, enfrentou diretamente uma possível oposição à sua

entrada, amparada na alta qualificação que ela sabia ser seu trunfo.

Como já era casada e mãe de um filho quando prestou o concurso,

após essa etapa da prova oral (quando ocorria a entrevista pessoal), a

banca, no intuito de “verificar” o grau de disponibilidade “real” dessas

mulheres para a carreira e suas mudanças, inquiriu-a sobre o que faria

com o filho e o marido caso fosse realmente aprovada e tivesse que ser

removida para uma comarca distante. Ela, mais uma vez de maneira um

tanto desafiadora, disse que aquela não era a hora de responder tal ques-

tionamento, pois efetivamente ainda não havia passado e que essa ques-

tão familiar só seria posta após sua indubitável aprovação, o que findou

acontecendo.

Ao contar sobre a sua chegada de fato à instituição em 1981, afir-

ma que foi realmente notada dentro e fora dela e que “Tinha gente o

dia inteiro querendo me conhecer. Até a Hebe quis me entrevistar. ”, mas

diz que concedeu apenas uma entrevista ao Estadão, pois o Tribunal não

apoiava que sua aprovação se tornasse um assunto corrente nos meios de

comunicação. Como de hábito até então, o fórum (João Mendes) também

não tinha nenhuma estrutura para receber mulheres; nenhum banheiro

feminino, por exemplo. Mas, com um funcionalismo e uma objetividade

que parecem ser parte de sua personalidade, ao ser questionada por mim

sobre como se sentiu diante desse tipo de coisa, sua resposta, num tom

quase ríspido que pareceu indicar que isso nem de longe lhe causou des-