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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016

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entes mentais, área que adotou por afinidade, mas sem nenhum planeja-

mento. Por conta disso, perto dos 25 anos, resolveu cursar a graduação em

fonoaudiologia, mas, dado que não tenha se afinado com a atmosfera hos-

pitalar, prestou novamente vestibular para Direito, nas suas palavras, “uma

área que tem mil portas”, e, somente aos 34 anos, tornou-se bacharel. Tal

qual Magui Azevedo, entra no Direito quase “por acaso” e afirma que o per-

centual de alunas do curso paulista emmeados de 1960 ficava em torno de

20% e que o quadro docente era formado apenas por homens.

Prestar o concurso para juíza, segundo ela, “foi uma grande farra”,

motivada por uma amiga muito próxima, com a qual estudava e que sem-

pre a incentivava. Ainda que ponha nesses termos, seu discurso narrando

suas atitudes de então sugere, na verdade, que ela levou muito a sério a

“grande farra” e que tinha sim um enorme interesse na aprovação. Mas,

ao mesmo tempo, havia uma tensão ou um medo muito grandes da ex-

pectativa criada e do veto institucional não declarado ao acesso feminino.

Isso pode ser depreendido porque, ao mesmo tempo em que diz

uma série de coisas como: que “foi tudo uma grande farra”; que só juntou

sua papelada da inscrição porque foi gentilmente solicitar a papelada de

um amigo e o cartório “acidentalmente” tirou a papelada dele e a dela;

que quase não se inscreveu por falta de atestado médico; e que só chegou

na prova porque uma amiga lhe deu carona, Iracema também estudou

muito para o concurso. Conta que fazia um grupo de estudos aos finais

de semana e que só porque um certo advogado solidário emprestava os

livros específicos durante esses dias, que eles do grupo tiveram acesso ao

material certo, pois era tudo muito caro e/ou raro. No dia anterior à pro-

va, conta também que ela e a amiga estudaram a noite inteira.

Creio que numa espécie de racionalização, Iracema buscou a apro-

vação no concurso, mas tentando não criar nenhuma grande expectativa,

dada sua consciência acerca de suas inegáveis variáveis “negativas”: era

mulher, de idade avançada para a média dos concursandos e com pou-

ca condição para estudar exclusivamente, haja vista que já trabalhava na

Auditoria Militar. Talvez por isso justifique a tentativa de maneira quase

jocosa, como uma defesa. E essa sua “defesa” não era infundada, pois

realmente essa série de variáveis contrárias era difícil de coordenar com

o objetivo final. Até mesmo um diálogo desmotivador ocorrido no dia da

prova parecia indicar isso: quando ummagistrado conhecido a viu corren-

do para chegar a tempo “Ele falou: ‘Ixi, Iracema, nem adianta correr. Você