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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 158 - 169, jul. - set. 2016

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bora o princípio da boa-fé objetiva restrinja, modernamente, a extensão

do princípio da autonomia privada, não seria possível intervir delibera-

damente nas relações negociais, regidas por este preceito, controlando o

exercício dos direitos. Assim, tão somente os atos inequivocamente anô-

malos corresponderiam ao abuso do direito.

Nessa linha, em se tratando da alienação fiduciária na recuperação

judicial, para que os bens dados em garantia sejam abarcados pelo plano

de recuperação, impossibilitando-se ao credor recebê-los a qualquer tem-

po, a sociedade deve comprovar, de modo indubitável, a necessidade dos

bens e sua essencialidade para a preservação da empresa. Caso contrário,

não há manifesto abuso do direito em sua retirada.

Ademais, o abuso é puramente objetivo. Independe das intenções

do agente ou de qualquer elemento subjetivo, ainda que, caso existam,

contribuam para determinar as consequências do abuso, as quais são va-

riantes conforme adequação específica. Consistem, portanto, na supres-

são do direito, na cessação do exercício abusivo, com a manutenção do di-

reito nos seus limites, no dever de restituir ou de indenizar, dentre outros.

No âmbito da temática proposta pelo presente artigo, não haveria

de se imaginar, como consequência, a obrigação de indenizar, porquanto

o credor fiduciário não comete ato ilícito quando retém os recebíveis para

si ou retira os bens do estabelecimento do devedor. E, conforme doutrina

de José de Oliveira Ascensão, o ato abusivo não necessariamente incorre

em um ato ilícito

4

.

Embora o Código Civil Português, no art. 334, não mencione, de

fato, a ilicitude do ato abusivo – porque o trata como ilegítimo –, o Código

Civil Brasileiro o faz. Poder-se-ia crer, portanto, que o abuso de direito

no ordenamento jurídico brasileiro consiste obrigatoriamente em ato ilíci-

to. Entretanto, enquanto este exige dolo ou culpa, o abuso do direito tão

somente requer exercício inadmissível de certa posição jurídica, ausente

elemento subjetivo.

O exercício abusivo do direito não implica necessariamente o dever

de reparar danos, pois é possível que eles sequer existam. Ainda que a

conduta haja ocasionado danos, ausente ilicitude, o abuso não repercute

em responsabilidade civil.

A consequência da supressão do direito ocorre usualmente na ver-

tente de limitação ao direito subjetivo denominada de

supressio

, concer-

4 ASCENSÃO,

op. cit

., p. 279.