

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 158 - 169, jul. - set. 2016
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Conjuntura semelhante está na hipótese dos recebíveis. O credor
da cessão fiduciária tem tanto a posse direta quanto a indireta dos crédi-
tos a cuja recuperanda tem direito, mas fica evidenciado que tais créditos
são indispensáveis para a recuperação da sociedade, a ponto de ser ne-
cessário que a ela (recuperanda) tenha acesso a esses créditos que estão
em “trava bancária”.
Um voto importante sobre a hipótese de cessão fiduciária de cré-
ditos está no Recurso Especial nº 1.263.500 – ES, proferido pelo Min. Luís
Felipe Salomão, em que afirma que os créditos dessa espécie de cessão
deverão ser analisados pelo juízo da recuperação judicial. E tal se dá por-
que esse será o juízo competente para definir se tal crédito é imprescindí-
vel ou não para a realização da empresa. Esse voto vencido é ainda tímido,
pois se limita à literalidade rígida do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005,
sem afastar sua regra nas hipóteses em que resta claro que a mera sus-
pensão das ações não respeitará o princípio da preservação da empresa.
O PROBLEMA
Os julgados analisados limitam-se a garantir o direito da sociedade
recuperanda com base na própria Lei nº 11.101/05, sem adentrar na sea-
ra da boa-fé objetiva e do abuso do direito.
No entanto, o presente artigo pretende ir além do conteúdo juris-
prudencial existente até então, identificando até que ponto os bens físicos
ou os recebíveis dados em garantia fiduciária são essenciais para a empre-
sa e, portanto, passíveis de relativização da norma rígida do § 3º do art.
49, da LRF, sem que o credor incorra em conduta abusiva.
“Quid iuris”
? Qual é o caminho a ser seguido pelo jurista para evitar
o exercício disfuncional do direito e identificar a porcentagem de recebí-
veis em garantia fiduciária, que poderiam ser levantados pela sociedade
em recuperação judicial, a fim de que a garantia se mantenha hígida ao
mesmo tempo em que a sociedade permaneça com expectativa de se re-
estruturar financeiramente?
“Quid iuris”
? Como o juiz deverá analisar o caso com o objetivo de
evitar a ocorrência de abuso de direito e, consequentemente, identificar
quais bens constantes do estabelecimento comercial da sociedade podem
ser retirados pelo credor fiduciário, privilegiando-se simultaneamente a
garantia creditícia e o direito à manutenção e recuperação da empresa?