

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p. 77 - 97. 2016
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Contudo, transcorridos mais de 165 anos da edição do Código
Comercial, o Brasil encontra-se inserido em outro patamar na economia
mundial, sendo a oitava economia do mundo, nada justificando tal privi-
légio para embarcações estrangeiras.
Curioso notar que, já no ano de 1908, o Supremo Tribunal Federal
tecera críticas ao aludido dispositivo do Código Comercial, por entender
que o mesmo feria o princípio da isonomia entre nacionais e estrangeiros.
Em interessante julgado envolvendo o abalroamento de uma embarcação
de bandeira brasileira denominada GUASCA pelo vapor argentino SAN LO-
RENZO, a Suprema Corte ponderou que “
o nosso direito comercial codifi-
cado data de 1850, quando o commercio marítimo era feito por navios
á
vela e as abalroações eram raríssimas. De então para cá tudo mudou e ou-
tras necessidades surgiram, e, como diz o ilustre escriptor, quando as leis
não mais servem de instrumento para as necessidades dos homens e não
lhes dão as garantias que elles reclamam, cahem em desuso; mas, se não
são desde logo revogadas pela vontade do legislador, o Juiz liberta-se das
mesmas, sahe fora dos seus limites asphyxiantes e busca nos fundamen-
tos racionaes do direito o que lhe é negado pelo texto absoluto da lei
.”
11
.
E tal crítica também possuía eco na doutrina especializada, valen-
do citar como exemplo o prestigiado civilista Teixeira de Freitas que, em
1878, já pugnava pela reforma da nossa legislação comercial e sustentava
que o Código de 1850 já havia nascido velho.
12
Ainda no que tange à impossibilidade de se arrestar embarcação
estrangeira, contida no art. 482 do CCom, deve-se atentar que esta é mais
uma situação em que a desatualização do Código Comercial gera empeci-
lhos para concessão do arresto, causando instabilidade jurídica.
Apesar de a referida questão já ter sido amplamente debatida e, por
muitos, devidamente superada, o aludido artigo ainda está em vigor, uma
vez que a parte referente ao direito comercial marítimo do Código Comer-
interesse nacional relevante à exceção feita aos navios estrangeiros. Nos tempos modernos diante da ordem jurídica
vigente, não há mais embasamento legal para manutenção da regra excepcionando as embarcações estrangeiras
da medida de concessão da tutela jurisdicional.” (ANJOS, J. Haroldo dos.
Curso de Direito Marítimo
. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1992, p. 267)
11 Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, acerca do abalroamento do vapor Guasca pelo vapor San
Lorenzo, publicado na
Revista de Direito Civil, Comercial e Criminal
, Volume VIII, Fase. 1, Abril de 1908.
12 Texeira de Freitas, citado por Alberto Venâncio Filho (
in
“A Elaboração do Código Comercial de 1850”, em
Revista
de Direito Mercantil Industrial Econômico Financeiro
. Nº 23, ano XV. São Paulo: Ed. RT. 1976), já afirmava em 1878:
“Urge tão sensivelmente a reforma da nossa legislação comercial – que sem a mais degradante indiferença quase
mortal não será possível explicar em mais tempo seu retardamento”. Disponível em
http://www.abejur.org.br/Ane-xos/Portal/Artigos/Aspectos% 20da%20%E2%80%9Cconviv%C3%AAncia%E2%80%9D%20do%20microssistema%20
de%20direito%20mar%C3%ADtimo%20e%20do%20C%C3%B3digo%20Civil.pdf.