

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p. 77 - 97. 2016
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consistia no pleito de detenção da nave, mediante a não concessão do
passe de saída da embarcação pela Capitania dos portos, possuindo, des-
sa maneira, os mesmos efeitos do arresto
5
. Para tanto, bastava comprovar
a presença do
fumus boni iuris
e do
periculum in mora
, que serão mais
especificados quando tratarmos do arresto no Código de Processo Civil.
A respeito desse tema, André Luiz Bettega D’Ávila observa que a
delimitação do arresto somente para créditos privilegiados poderia, even-
tualmente, violar a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, no
que tange à inafastabilidade do Poder Judiciário, considerando um cená-
rio em que o único bem do devedor no país seria a embarcação e o credor
nada poderia fazer para ver seu crédito satisfeito
6
.
É notório que o arresto de uma embarcação é uma medida cautelar
de grande impacto comercial e jurídico, colocando em risco o interesse
de terceiros e possíveis prejuízos para parte arrestada, além de trazer ris-
cos para parte arrestante. Tendo isso em mente, considerando ainda uma
época na qual o navio, por muitas vezes descarregava toda sua carga em
um mesmo porto, demandando tempo significativo no processo de carga
e descarga, é plenamente plausível a opção do legislador na época.
Contudo, o avanço tecnológico permitiu uma agilidade infinitamen-
te maior a respeito das operações de carga e descarga dos navios nos por-
tos, com, inclusive, a programação de diversas escalas no curso de uma
expedição marítima. As operações que, à época, eram realizadas manual-
mente e duravam dias, hoje se encontram plenamente automatizadas e
não duram mais que poucas horas em cada porto.
Caso tal requisito fosse aplicado com o rigor formal contido na Lei
comercial, seria impossível o arresto da maior parte das embarcações,
tendo em vista a restrição legal ao arresto de embarcação que tenha mais
de 25% (vinte e cinco por cento) de carga a bordo prevista no artigo 479
do Código Comercial. De fato, em questão de minutos um quarto de ca-
5 “Usualmente, o arresto é efetivado por meio da comunicação da ordem liminar à Capitania dos Portos onde o
navio se encontra (atracado ou largo) para que o passe de saída do navio seja retido. Consequentemente, retido o
passe de saída, o navio não pode zarpar. A hipótese de saída do navio do porto sem a autorização da Capitania dos
Portos ampara o direito de perseguição (
hot pursuit
) sob égide da CNUDM III.” (OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria.
Curso de Direito Marítimo
. V. II, 1ª ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 384)
6 “A vigência de tal dispositivo cria situações de ofensa à Constituição Federal, sobretudo ao seu artigo 5º, XXXV, que
prevê que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, pois retira da aprecia-
ção da Justiça brasileira a lesão cometida por armadores, ao impedir o uso do único meio hábil para deles exigir o
cumprimento de dívida não privilegiada, qual seja, o arresto de suas embarcações.” (D’ÁVILA, André Luiz Bettega. "O
Arresto Cautelar de Navios".
In
: CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de.
Temas atuais de direito do comércio interna-
cional
, v. 2. 1ª ed. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 278)