

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p. 77 - 97. 2016
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permitida a navegar desde que, obviamente, não deixe o país e esteja
coberta por seguro.
Leva-se em conta que, quanto mais tempo o navio fica inoperante,
menos condições o devedor terá de quitar o pagamento, diante da redução
de sua atividade comercial, dos custos necessários à manutenção do navio
e sua tripulação e da depreciação do bem e das cargas que eventualmente
se achem a bordo. Assim, eventuais dívidas, caso o arresto venha a ser pos-
teriormente considerado indevido, poderão atingir patamares exorbitantes,
aumentando inclusive o risco e a exposição da própria parte arrestante.
Deste modo, diante de um cenário marítimo globalizado, é eviden-
te que a prestação de garantia alternativa por meio de caução, fiança ban-
cária, depósito em espécie, ou até mesmo pelas seguradoras ou clubes
P&Is
8
, é muito mais viável, parecendo tal exigência do art. 479 do Código
Comercial um tanto obsoleta.
Outro ponto que merece destaque nos dispositivos do Código Co-
mercial de 1850 é o artigo 482
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, que estabelece expressamente a restri-
ção ao arresto de navios estrangeiros, dispondo que estes não podem ser
objeto de embargo e detenção, exceto se as dívidas forem contraídas em
território nacional.
Naquela época, o Brasil buscava incentivar não só o investimento
estrangeiro, mas a sua inserção na economia internacional, sendo tal dis-
positivo uma forma de facilitar o comércio com os outros países do mun-
do e atrair as embarcações estrangeiras para os portos brasileiros abertos
em 1808, motivando a opção do legislador por reduzir os riscos dos navios
estrangeiros e estabelecer o embargo e retenção apenas para embarca-
ções nacionais
10
.
8 Os Clubes de P&I (Protection and Indemnity) são associações sem fins lucrativos que gerenciam um fundo forma-
do através das contribuições dos membros (armadores, afretadores, etc) com o objetivo de garantir determinados
riscos relacionados à responsabilidade civil atrelada às atividades executadas pelas embarcações registradas. - “É
usual a liberação do navio arrestado amparada em carta de garantia (
letter of undertaking
) emitida pelos P&I Clubs.”
(OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria.
Curso de Direito Marítimo
. V. II, 1ª ed. São Paulo: Manole, 2008 p. 384).
9 Art. 482. Os navios estrangeiros surtos nos portos do Brasil não podem ser embargados nem detidos, ainda mesmo
que se achem sem carga, por dívidas que não forem contraídas no território brasileiro em utilidade dos mesmos
navios ou da sua carga; salvo provindo a dívida de letras de risco ou de câmbio sacadas em país estrangeiro no caso
do artigo nº. 651, e vencidas em algum lugar do Império.
10 “O preceito legal estabelecido no art. 482 do Cód Comercial que, literalmente, dispõe sobre a impossibilidade
jurídica de embargo ou detenção das embarcações estrangeiras surtas em portos nacionais, apesar de ainda susten-
tada por alguns doutrinadores do assunto, ontologicamente, não tem nenhum fundamento atualmente, em face do
nosso moderno ordenamento jurídico. Ocorre que, naquela época, quando a Lei Comercial nº 556 de 25.06.1850
entrou em vigor, instituindo o Código Comercial Brasileiro, havia interesse nacional no desenvolvimento do co-
mércio marítimo, tendo em vista a abertura dos Portos (1808), feita por D. João VI, ressaltando-se, inclusive, que
a referida lei, foi promulgada na vigência da Constituição Política do Império (1824) e, portanto, tratava-se de um