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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p. 9 - 65. 2016
dispôs, em seu art. 8º, que “[p]ara qualificar os bens e regular as relações
a eles concernentes aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados”
e, no art. 9º, que “[p]ara qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei
do país em que se constituírem”.
Feitas essas considerações sobre a teoria das qualificações, passa-se
à análise da problemática situada no âmbito da insolvência transnacional.
Os sistemas territorialista e universalista derivaram, indiretamente, da Te-
oria dos Estatutos, desenvolvida a partir do século XIV pelo pós-glosador
Bártolo de Sassoferato, um dos mais eminentes pensadores da chamada
escola italiana. Conforme explica Jacob Dolinger:
"Bártolo distinguiu entre os direitos reais e os direitos pesso-
ais, noção importante para a elucidação de muitas questões
em que ocorrem conflitos, como, por exemplo, na sucessão
do inglês que deixasse bens na sua terra e na Itália. Segundo
a lei inglesa daquela época, a sucessão se transmitia exclusi-
vamente para o primogênito, o que não ocorria na legislação
italiana. Reger-se-ia a sucessão pela lei pessoal do falecido
ou pela lei territorial dos bens?
Especula o famoso pós-glosador em torno da redação das
leis sucessórias envolvidas. Se elas se referirem aos bens her-
dados, aplicar-se-á a lei da situação dos bens que compõem
a herança, mas se se referirem à pessoa, iniciando-se a nor-
ma com uma referência ao primogênito, tudo dependerá se
o falecido é ou não inglês: na primeira hipótese, o primogê-
nito fica com todo o patrimônio sito na Inglaterra; se não é
inglês, a norma não se refere a ele, nem mesmo com relação
aos bens sitos naquele país".
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Como se vê, Bártolo de Sassoferato consagrou a distinção entre as
regras
quod disponit circa personarum
e
quod disponit circa rem
. As pri-
meiras, vinculadas ao estatuto pessoal, aplicam-se à pessoa em qualquer
lugar que esteja presente, enquanto que as segundas, vinculadas ao esta-
tuto real, só se aplicam aos bens situados no território do foro (
lex fori
)
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.
Em outras palavras, o estatuto pessoal é dotado de efeito extraterritorial
ao passo que o estatuto real é limitado ao efeito territorial.
10 Idem, p. 186-187.
11 Idem, p. 301.