

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p.108 - 134. 2016
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para navios em operação normal, difícil, senão impossível, é flagrá-los com
menos do que 25% de cargas de sua capacidade de carga embarcada
49
.
Refletindo mais uma vez a modificação dos panoramas valorativos
e a intercorrência de novas normas, a jurisprudência dos nossos tribunais
de longa data não têm mais aplicado esse pressuposto negativo à conces-
são de embargo ou detenção de embarcações constante do art. 479,
me-
dio
, do Código Comercial. Pelo contrário, o Judiciário tem repetidamente
― de forma absolutamente correta, acrescente-se ― decretado medidas
impeditivas da saída de embarcações de portos nacionais, independente-
mente da quantidade de carga porventura existente a bordo. Listar casos
mostra-se, assim, ocioso. Fala, por todos os demais, um exemplo emble-
mático da jurisprudência vigente. Trata-se do recente embargo do navio
“Yusho Regulus”, atrás mencionado quando da análise do art. 482 do Có-
digo Comercial. Essa embarcação permaneceu detida por cerca de oito
meses no porto de Santos, carregada com grãos destinados à exportação,
até finalmente concordar em prestar caução idônea ― destinada a salva-
guardar as potenciais indenizações dos prejudicados pela sua colisão com
terminal portuário local ―, e, assim, ficar liberada para zarpar
50
.
A doutrina nacional, é de se lamentar, mostra-se, até a presente
data, completamente descolada da realidade jurisprudencial na matéria,
limitando-se a repetir o surrado preceito do art. 479 do Código, como se
a vedação ali contida referente à carga a bordo não tivesse sido afastada
pela palavra dos nossos tribunais e ainda tivesse aplicação
(51)
. Pouca é a
valia da doutrina quanto a essa questão, portanto.
49 Ob. cit., p. 12, daí também reputando revogado o art. 481 do Código Comercial, nessa questão da lotação de carga.
50 Na decisão de primeira instância que decretou um dos embargos que recaiu sobre o “Yusho Regulus” (Cautelar
Inominada 0041767-64.2012.8.26.0562, proposta por CGG Trading contra Satsuma Shipping S/A), posicionou-se o
juízo
a quo
, taxativamente, no seguinte sentido: “
Além disso, o rigor da lei quanto à lotação que autoriza ou não
o arresto deve ser mitigado, pois o Código Comercial, como se sabe, é do ano de 1850, época em que existia uma
estrutura portuária muito diversa da atual, além de embarcações de menor porte
”. Essa ordem de embargo foi pos-
teriormente ratificada pela 3ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP. Em sentido contrário, anacronicamente e em com-
pleta falta de sintonia com a jurisprudência dominante, o acórdão proferido no Agravo de Instrumento nº 10221-
30.2005.8.06.0000/0, da 1ª Câmara Cível do TJ-CE, Rel. Des. José Mário dos Martins Coelho, julg. Em 04/02/2010,
que adotou o art. 481 do Código Comercial como uma das razões para indeferir o embargo de embarcação.
51 Assim, ELIANE M. OCTAVIANO MARTINS,
Curso de Direito Marítimo
, v. II, p. 393, Manole, 2008, CARLA ADRIANA
COMITRE GIBERTONI,
Teoria e Prática do Direito Marítimo
,
p. 267, Renovar, 1998, e J. HAROLDO DOS ANJOS e CAR-
LOS RUBENS CAMINHA GOMES, ob. cit., p. 267. Até o estudo mais progressista de ANDRÉ LUIZ BETTEGA D’ÁVILA,
“Arresto Cautelar de Navio”, ob. cit., p. 237, segue a mesma posição, embora, ante a dificuldade da prova para o
autor da ação cautelar, transfira ao réu o ônus “
de demonstrar que o navio encontra-se com lotação superior à sua
quarta parte, para obter o relaxamento da constrição
”. A única elogiosa exceção fica por conta da opinião já mencio-
nada no texto, de NELSON CAVALCANTE e WERNER BRAUN RIZK, ob. cit., p. 12. Naturalmente, as obras mais antigas
de autores como HUGO SIMAS, JOÃO VICENTE CAMPOS, SAMPAIO DE LACERDA e THEOPHILO DE AZEREDO SANTOS
não alcançaram o período em que avançou toda a construção jurisprudencial que hoje se constata.