

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p.108 - 134. 2016
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cação remonta a um antigo acórdão do S.T.F. de 1924
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. Desde então não
foram localizados quaisquer outros julgados aplicando a literalidade do art.
480, a despeito do crescimento do número de situações litigiosas, em vir-
tude do enorme incremento de volume do tráfego marítimo internacional
brasileiro
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, ao qual devem ainda ser acrescentados os números da navega-
ção de cabotagem, de apoio marítimo, de apoio portuário e interior.
Essa situação se explica pela mudança do
eixo axiológico
da disci-
plina do embargo ou detenção de embarcações desde a edição do Código
Comercial em 1850.
De princípio, o arresto de navios era considerado pela doutrina
como medida “
violenta e vexatória
”
(40)
e que, ademais, era contrária aos
interesses do comércio marítimo e dos donos das cargas transportadas.
Daí a disciplina de outrora, voltada a proteger o navio e os interesses
das cargas embarcadas, em detrimento dos interesses dos credores, os
quais enfrentavam grandes restrições para conseguir embargar embar-
cações por dívidas. Preponderava, então, com muita intensidade, o prin-
cípio do cumprimento da viagem marítima, com a consequente noção
ou sub-princípio de que
os interesses da navegação tinham preferência
sobre os interesses dos terceiros credores no embargo das embarca-
ções
41
. Essa disciplina transparece, muito claramente, nos art. 479, 480,
481 e 482 do nosso velho Código Comercial. E as dificuldades eram na-
turalmente maiores no tocante aos créditos não privilegiados em com-
paração com os privilegiados.
Contudo, esse eixo axiológico deslocou-se. Pesaram fundamental-
mente para essa revisão de valores (i) a solidez e volume da navegação
marítima moderna, (ii) a mobilidade e volatilidade dos navios, o principal
patrimônio com que os credores contam para assegurar a satisfação dos
seus créditos. Por conta dessa mudança, a ordem jurídica passou a preo-
cupar-se com a tutela
preferencial
(i) dos direitos de terceiros que fomen-
tam o comércio marítimo, fornecendo crédito à atividade da navegação,
e (ii) dos direitos daqueles que são por ela prejudicados. Entram na pri-
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Revista de Direito
, 77/479, Rel. Min. E. Lins.
39 No ano de 2013 o transporte marítimo foi responsável por 95,53% das exportações brasileiras, enquanto na
mão de importação o percentual foi de 89,99% (dados do Ministério da Indústria e Comércio em
http://aliceweb.
desenvolvimento.gov.br/).
40 HUGO SIMAS,
Compendio de Direito Marítimo Brasileiro
, p. 122, RT, 1938.
41 Sobre esse mesmo sub-princípio no semelhante direito argentino sob o antigo Código de Comércio, JORGE BEN-
GOLEA ZAPATA, ob. cit., p. 86.