

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p. 108 - 134. 2016
119
débitos tiverem sido contraídos para aprontar o navio para a mesma
viagem e o devedor não tiver outros bens; libera-se o navio, neste
caso, mediante fiança dos demais coproprietários (art. 481)
35
.
Contudo, como enfatizado, o efeito inexorável do tempo provocou,
em várias circunstâncias, a reapreciação do sentido desses dispositivos,
ao final erodindo ou ampliando seus conteúdos, embora a conotação de
algumas normas tenha sido preservada em alguns poucos casos.
Uma situação de preservação integral do conteúdo normativo
aconteceu, especificamente, com o art. 479 do Código Comercial (letra
“a” supra). É princípio amplamente difundido de Direito Marítimo no pla-
no do direito comparado que os privilégios marítimos atribuem aos seus
credores o direito de requerer o embargo ou detenção das embarcações
gravadas por privilégios. Assim também determina, na ordem jurídica in-
terna, o Código Comercial através do seu art. 479. Logo, a conotação ori-
ginária deste artigo mantém-se inalterada e plenamente eficaz. Quanto
ao rol de privilégios marítimos vigente no direito brasileiro atual e qual a
ordem de preferência que deve ser observada entre eles, isso é tarefa que
compete ao direito material definir.
Diferentemente, o art. 480 do Código Comercial (item “b” acima) pas-
sou por grande flexibilização do seu conteúdo original. Saliente-se que essa
norma é extremamente relevante a propósito da aplicação analógica desse
preceito ao embargo de navios estrangeiros por créditos não privilegiados
36
.
A ampla pesquisa jurisprudencial
37
demonstra que o art. 480 não
mais vem sendo aplicado pelos Tribunais. O último precedente de sua apli-
35 Art. 481 - "Nenhuma embarcação, depois de ter recebido mais da quarta parte da carga correspondente à sua
lotação, pode ser embargada ou detida por dívidas particulares do armador, exceto se estas tiverem sido contraídas
para aprontar o navio para a mesma viagem, e o devedor não tiver outros bens com que possa pagar; mas, mes-
mo neste caso, se mandará levantar o embargo, dando os mais compartes fiança pelo valor de seus respectivos
quinhões, assinando o capitão termo de voltar ao mesmo lugar finda a viagem, e prestando os interessados na
expedição fiança idônea à satisfação da dívida, no caso da embarcação não voltar por qualquer incidente, ainda que
seja de força maior. O capitão que deixar de cumprir o referido termo responderá pessoalmente pela dívida, salvo o
caso de força maior, e a sua falta será qualificada de barataria”.
36 Situações típicas de créditos não-privilegiados são os créditos não incluídos no rol legal dos privilégios marítimos
com relação à mesma embarcação por eles beneficiada
e que se deseja embargar; ou, então, de créditos efetiva-
mente privilegiados, que, porém, são utilizados não para embargar não a própria embarcação por eles gravada,
mas
sim outra embarcação
do mesmo proprietário.
37 Essa pesquisa abrangeu os bancos de jurisprudência dos sítios do STF e STJ, acrescidos dos sítios dos tribunais
estaduais com maior atividade portuária do país e de navegação do país, vale dizer, TJ-RS, TJ-SC, TJ-PR, TJ-SP, TJ-RJ
E TJ-ES (dados disponíveis até outubro de 2014), além de consulta a repositórios especializados de jurisprudência
como a clássica obra de DARCY A. MIRANDA JR.,
Repertório de Jurisprudência do Código Comercial
, 4º v., Tomo I,
Max Limonad Editores. Sempre que nos referirmos à posição da jurisprudência no presente estudo, estaremos nos
baseando nos resultados dessa pesquisa.