

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p. 108 - 134. 2016
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As restrições constantes do art. 479
medio
e
in fine
, abordadas na
letras “d” e “e” anteriores, podem ser examinadas conjuntamente. Ambas,
na realidade, sofreram o mesmo efeito erosivo anteriormente constatado
a respeito dos arts. 480 e 482 do Código Comercial, em decorrência de va-
riação nos valores que informam a aplicação das respectivas regras, bem
assim de mudanças legislativas supervenientes.
No pertinente à vedação de embargo ou detenção quando a em-
barcação se acha com mais do que um quarto de sua capacidade de car-
ga
48
, o objetivo da norma era, novamente, o de proteger os interesses de
embarcadores das cargas.
Como visto na análise acima, ao art. 480, essa noção de proteção
deslocou-se no século seguinte à edição do Código Comercial para uma
perspectiva favorável aos terceiros credores, alterando, pois, o valor ju-
rídico a ser tutelado. Novamente, a mudança valorativa deu azo a novas
legislações na matéria. Já bastante cedo, em 13/08/1929, o Brasil incor-
porava ao seu ordenamento a Convenção de Direito Internacional Privado
(Código de Bustamante), através do Decreto nº 18.871. O art. 276 da Con-
venção claramente denota a guinada de orientação valorativa na matéria,
assim dispondo: “
Art. 276. À lei da situação deve submeter-se a faculdade
de embargar e vender judicialmente um navio, esteja ou não carregado e
despachado
” (grifos nossos). Somaram-se depois ao Código de Bustaman-
te, a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Cau-
sados por Poluição por Óleo de 1969 (CLC/69 - Decreto nº 79.437/77, art.
VI, itens 1b e 2), a Lei de Assistência e Salvamento (Lei nº 7.203/84, art. 12,
§ 1º, inciso I) e o antes referido art. 679 do CPC, todos contendo preceitos
que descartam, em sede de concessão de embargo ou detenção do navio, o
pressuposto negativo de existir alguma quantidade de carga a bordo.
Aliás, como oportunamente ressaltam NELSON CAVALCANTE e
WERNER RIZK, condicionar a concessão de embargo ou detenção de em-
barcação até um quarto de sua carga e não mais, significaria tornar letra
morta tais medidas. A logística moderna, com operações portuárias muito
eficientes e rápidas ― durando muitas vezes apenas horas e não mais
dias, como no caso dos navios porta-contêineres ―, tornam extremamen-
te transitórias as posições da lotação de cargas a bordo, a tal ponto que,
48 Pelo seu próprio escopo, está evidente, desde logo, que o art. 479 não tem aplicação a embarcações que não são
cargueiras, tal como embarcações de apoio marítimo (PSVs, AHTs, embarcações de engenharia, etc.) ou apoio portuário.