

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p.108 - 134. 2016
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Trata-se, pois, não somente de norma exorbitante, mas também
anacrônica.
Inicialmente, sua validade não era questionada debaixo do sistema
jurídico então vigente. Porém, já em 1908, o Supremo Tribunal Federal con-
firmou o embargo do vapor argentino “San Lorenzo”, para a garantia de
indenização dos prejuízos sofridos pela embarcação brasileira “Guasca”,
abalroada por aquele navio, em alto mar, ao longo da Costa brasileira
(14)
.
Notou-se, em seguida, um pequeno e momentâneo retrocesso do
S.T.F. em 1919, através de acórdão que prestigiou a aplicação do art. 482
(15)
.
Todavia, a deflagração da 2ª Guerra Mundial acarretou uma ver-
dadeira revoada de credores ingleses e norte-americanos para os tribu-
nais brasileiros, buscando garantir seus créditos mediante o embargo de
navios mercantes alemães e italianos que haviam buscado refúgio em
nossas águas, então neutras. Essa circunstância provocou o surgimento
de uma torrente de julgados que moldou, definitivamente, a feição da
jurisprudência nacional na matéria. O TJ-RS decretou o sequestro do navio
“Montevideo”
(16)
. Seguiram-se, então, acórdãos do TJ-SP no célebre caso
do navio alemão “Windhuk”
(17)
, do TJ do então Distrito Federal sobre o
navio italiano “Teresa”
(18)
e do TJ-PE com relação ao vapor igualmente
de bandeira italiana “Pampano”
(19)
, todos decretando o arresto das naves
estrangeiras. Culminando essa trajetória histórica, o S.T.F., pouco mais tar-
de, ratificou a decisão do TJ-RS quanto ao sequestro do “Montevideo”
(20)
,
inclusive abonando-se em todos aqueles precedentes dos tribunais esta-
duais. A doutrina, por sua vez, também foi engrossando, acompanhando
o movimento da jurisprudência
(21)
.
14
Revista de Direito,
v. 8, p. 280.
15
Revista de Direito
, v. 59, p. 511.
16 Rel. Des. Erasto Correia, RT, 134/279.
17 Agravo 8.466, Relator designado Des. Antão de Moraes (RT 131/154) e Agravo 11.077, Rel. Des. Pedro
Chaves (RT 130/92).
18 Agravo de Instrumento 2.185, Rel. Des. Henrique Fialho (
Rev. Direito
, ano II, V. 8, p. 342).
19 Rel. Des. Cunha Barreto (Arquivo Judiciário, 58/193).
20 “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS. Não decide contra
a letra de lei federal o acórdão que reconhece a competência da Justiça brasileira para julgar conflitos de estran-
geiros não domiciliados no Brasil, estando sob jurisdição brasileira o navio estrangeiro surto no porto nacional”
(Recurso Extraordinário nº 4.629, Rel. Min. Aníbal Freire (Rev. Direito, ano III, v. 13, p. 318). No seu corpo, o aresto
consignou, a respeito do art. 482: “
Parecem-me ociosas considerações doutrinárias sobre o aspecto de desigualdade
de tratamento entre nacionais e estrangeiros estatuída neste artigo, obsoleto e aberrante dos princípios dominantes
da matéria, tanto essa desigualdade ressalta em toda a sua evidência
”.
21 A doutrina foi crescentemente posicionando-se contra a aplicação da norma, a despeito de opiniões respeitáveis
contrárias, porém cada vez mais isoladas. Contra o art. 482 foram opondo-se M. I. CARVALHO DE MENDONÇA,
Rev.