

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 84 - 97, mai. - jun. 2016
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co plantonista e um ultrassom quebrado, as pacientes grávidas de fetos
anencéfalos teriam outros entraves à efetivação de seu direito, além
do desconhecimento profissional. A solução não está na ausência de
regulamentação técnica, pelo contrário, esta significa um grande avan-
ço ao fim do “patriarcalismo médico”. Ao se reportarem a um órgão
próprio, os profissionais, em tese, estariam lidando com o conheci-
mento que dominam, exercendo-o então de forma clara e digna. Por
outro lado, o paciente neste caso, receberia informação deste médico
bem informado, como na resolução em análise na qual se previu junta
médica para tratamento dos casos
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.
O que falta é mais uma peça fundamental nesta teia de boa presta-
ção de serviços, no caso dos hospitais públicos, a existência e o bom fun-
cionamento dos equipamentos, operados por profissionais capacitados.
Sendo fundamentais duas fotos de ultrassom, não há que se questionar
a presença de um aparelho que o faça ou a necessidade de quem possa
operá-lo. Resta então observar que a responsabilização tecnicista cres-
cente no Brasil não é capaz de mitigar os discursos de poder e patriarcalis-
mo contra os quais tantas críticas são feitas. De outro modo, este modelo
de responsabilização pode ser a outra face, a perversa, de uma prática
do possível, engessada por seu próprio conhecimento, que mesmo bem
colocado, pode ser simplesmente impossível de ser efetivado. A realida-
de é de profissionais de saúde trabalhando com o que têm em mãos, e
não o considerado fundamental, desconhecendo de fato o que sua classe
profissional propõe e arcando com o ônus desse desconhecimento sem
poder alegá-lo.
A resposta fácil parece ser menos regulamentação específica, as-
sociada a menos responsabilização normativa, mas esta só reafirmaria a
prática do possível e deixaria os pacientes ainda mais vulneráveis à neces-
sidade de confiança, quase “crença” no conhecimento médico, reafirman-
do o patriarcalismo. A resposta difícil, a sempre difícil, está em manter as
10 Art. 2º O diagnóstico de anencefalia é feito por exame ultrassonográfico realizado a partir da 12ª (décima segun-
da) semana de gestação e deve conter:
§ 5º Tanto a gestante que optar pela manutenção da gravidez quanto a que optar por sua interrupção receberão, se
assim o desejarem,
assistência de equipe multiprofissional nos locais onde houver disponibilidade.
Art. 5º Realizada a antecipação terapêutica do parto,
o médico deve informar à paciente os riscos de recorrência
da anencefalia e referenciá-la para programas de planejamento familiar
com assistência à contracepção, enquanto
essa for necessária, e à preconcepção, quando for livremente desejada, garantindo-se, sempre, o direito de opção
da mulher.
Parágrafo único.
A paciente deve ser informada expressamente que a assistência preconcepcional tem por objeti-
vo reduzir a recorrência da anencefalia.
(RESOLUÇÃO CFM Nº 1.989/2012) (Grifamos)