Background Image
Table of Contents Table of Contents
Previous Page  88 / 256 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 88 / 256 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 84 - 97, mai. - jun. 2016

88

do direito. Quanto ao primeiro campo, pode-se dizer que se trata de um

tema que ocupa os estudos feministas e de gênero, os chamados “este-

reótipos de gênero”, que existem universalmente e estão presentes em

todas as culturas, profundamente inculcados nos (in)conscientes de cada

indivíduo. Eles naturalizam comportamentos e valores que perpetram

posições assimétricas de poder entre os gêneros, gerando preconceitos

e estigmas. Esses estereótipos, segundo Pimentel (2009)

6

são absorvidos

pelos operadores do direito e refletidos na sua prática jurídica.

Nesse sentido, ela insiste na necessidade de enfrentar os valores

culturais patriarcais e as tensões axiológicas existentes na sociedade, no

interior do Poder Judiciário, e até mesmo entre membros do Ministério

Público, da Defensoria Pública, Advocacia e Polícia. A superação da ideolo-

gia patriarcal que mina os Direitos Humanos das mulheres, reforçando es-

tereótipos sociais, preconceitos, discriminação e violência é, portanto, um

grande desafio à melhoria da infraestrutura judiciária nacional. Pimentel

(2009) assevera que todos os operadores devem realizar estudos e parti-

cipar de análises e debates críticos em relação às condições de existência

feminina, desiguais e injustas.

Compreenda-se o fato da análise da ADPF 54 oportunizar uma sé-

rie de discussões sobre a conquista de direitos das mulheres no Brasil. E,

justamente por se tratar de uma decisão dessa natureza, entende-se que

a perspectiva de gênero, como é discutida nos estudos feministas, deve

ocupar a centralidade desses debates. Assim, buscou-se, essencialmente,

enfrentar um paradoxo: se, por um lado, a decisão foi comemorada com

enorme entusiasmo por representar um avanço nas hipóteses de prote-

ção à dignidade da mulher, por outro (e o presente texto centra-se nesta

segunda hipótese), a forma como foi abordada e construída a decisão,

não contribui de forma decisiva para o debate sobre os direitos reprodu-

tivos das mulheres, nem representa um significativo avanço dos debates

sobre gênero no direito, uma vez que estas questões não apenas foram

negligenciadas, mas até escamoteadas.

Conforme dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores da

Saúde (CNTS), cinquenta por cento das mortes em casos de anencefalia

acontecem ainda na vida intrauterina. Dos que nascem com vida, 99%

morrem logo após o parto e o restante pode sobreviver por dias, ou pou-

cos meses.

6 PIMENTEL, Silvia. "A superação da cegueira de gênero: mais do que um desafio – um imperativo".

Revista Direitos

Humanos,

n. 2. Junho de 2009, p. 27-30.