

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 84 - 97, mai. - jun. 2016
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do direito. Quanto ao primeiro campo, pode-se dizer que se trata de um
tema que ocupa os estudos feministas e de gênero, os chamados “este-
reótipos de gênero”, que existem universalmente e estão presentes em
todas as culturas, profundamente inculcados nos (in)conscientes de cada
indivíduo. Eles naturalizam comportamentos e valores que perpetram
posições assimétricas de poder entre os gêneros, gerando preconceitos
e estigmas. Esses estereótipos, segundo Pimentel (2009)
6
são absorvidos
pelos operadores do direito e refletidos na sua prática jurídica.
Nesse sentido, ela insiste na necessidade de enfrentar os valores
culturais patriarcais e as tensões axiológicas existentes na sociedade, no
interior do Poder Judiciário, e até mesmo entre membros do Ministério
Público, da Defensoria Pública, Advocacia e Polícia. A superação da ideolo-
gia patriarcal que mina os Direitos Humanos das mulheres, reforçando es-
tereótipos sociais, preconceitos, discriminação e violência é, portanto, um
grande desafio à melhoria da infraestrutura judiciária nacional. Pimentel
(2009) assevera que todos os operadores devem realizar estudos e parti-
cipar de análises e debates críticos em relação às condições de existência
feminina, desiguais e injustas.
Compreenda-se o fato da análise da ADPF 54 oportunizar uma sé-
rie de discussões sobre a conquista de direitos das mulheres no Brasil. E,
justamente por se tratar de uma decisão dessa natureza, entende-se que
a perspectiva de gênero, como é discutida nos estudos feministas, deve
ocupar a centralidade desses debates. Assim, buscou-se, essencialmente,
enfrentar um paradoxo: se, por um lado, a decisão foi comemorada com
enorme entusiasmo por representar um avanço nas hipóteses de prote-
ção à dignidade da mulher, por outro (e o presente texto centra-se nesta
segunda hipótese), a forma como foi abordada e construída a decisão,
não contribui de forma decisiva para o debate sobre os direitos reprodu-
tivos das mulheres, nem representa um significativo avanço dos debates
sobre gênero no direito, uma vez que estas questões não apenas foram
negligenciadas, mas até escamoteadas.
Conforme dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Saúde (CNTS), cinquenta por cento das mortes em casos de anencefalia
acontecem ainda na vida intrauterina. Dos que nascem com vida, 99%
morrem logo após o parto e o restante pode sobreviver por dias, ou pou-
cos meses.
6 PIMENTEL, Silvia. "A superação da cegueira de gênero: mais do que um desafio – um imperativo".
Revista Direitos
Humanos,
n. 2. Junho de 2009, p. 27-30.