

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 84 - 97, mai. - jun. 2016
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direito? Pacífico entre a doutrina constitucionalista é o fato de as normas
constitucionais apresentarem eficácia, a qual pode ser plena, contida ou
limitada. Importantes julgados do Supremo Tribunal Federal definem a
eficácia e aplicabilidade de normas Constitucionais.
Neste trabalho, analisou-se a ADPF 54, a qual apontou como des-
cumpridos os preceitos dos artigos 1º, IV – dignidade da pessoa humana
–, 5º, II - princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade –, 6º,
caput
, e 196 – direito à saúde –, todos da Carta da República. Como ato
do Poder Público causador da lesão, apontou os artigos 124, 126,
caput
,
e 128, incisos I e II, do Código Penal, os quais ensejavam a proibição de se
efetuar a antecipação terapêutica do parto nos casos de fetos anencéfa-
los. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação para declarar
a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da
gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos supracitados
do Código Penal.
Dessa forma, considerando o caráter fundamental dos preceitos
mencionados, pode-se afirmar que a decisão do STF possui eficácia plena
e aplicabilidade direta, imediata e integral, pois decidiu pela inconstitu-
cionalidade da interpretação, prezando pelas normas constitucionais. A
decisão, portanto, está apta a produzir todos os seus efeitos, independen-
temente de norma integrativa infraconstitucional. Entretanto, é notável
a dificuldade de se trabalhar com a eficácia plena em um âmbito trans-
disciplinar, pois a ADPF em questão trata de tema específico da Medici-
na – anencefalia – e depende desta para obter seus devidos e esperados
fins. Afirmar que a antecipação terapêutica do parto de feto anencéfalo
não é aborto já constrói um ponto inicial para discussões, pois a Medici-
na defende ser antecipação de parto a cirurgia que retira um feto com
possibilidades de vida extrauterina. A retirada de um feto diagnosticado
com anencefalia, a qual tem por consequência não uma certidão de nas-
cimento, mas sim de óbito, é considerada pelos médicos como aborto e,
até antes da ADPF 54, ilegal.
Nessa direção, emprestou-se dos Estudos de Gênero (MONTEIRO,
2003; MAC KINNON, 1989
4
) algumas fundamentações teóricas que ver-
sam sobre as questões da mulher e do aborto, tema polêmico e que é des-
qualificado como termo correlato a “antecipação terapêutica de parto”
4 MONTEIRO, G. T. M.
Construção jurídica das relações de gênero.
O processo de codificação civil na instauração da
ordem liberal conservadora do Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
MAC KINNON, C.
"Toward a feminist theory of the State".
Cambridge: Harvard University Press. 1989.