

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 77 - 83, abr. - jun. 2016
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observando que, não existindo, na Lei Penal brasileira, norma expressa ex-
cluindo a criminalidade de aborto praticado fora das disposições contidas
nos incisos I e II do artigo 128 do Código Penal, em sua opinião:
“Permitir o aborto de anencéfalo é dar autorização judicial para se
cometer um crime”.
Do referido voto, merece, ainda, destaque a observação feita, por
seu ilustre prolator - impregnada de jurisdicidade e conteúdo humano -
forte a lembrar que, no caso de aborto de feto anencéfalo:
“Ao feto, reduzido, no fim das contas, à condição de lixo ou de ou-
tra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada, de nenhum ângulo,
a menor consideração ética ou jurídica, nem reconhecido grau algum de
dignidade jurídica que lhe vem da incontestável ascendência e natureza
humana. Essa forma de discriminação em nada difere, ao meu ver, do ra-
cismo, do sexismo e do chamado especismo”.
Os argumentos aduzidos nos doutos votos vencidos, a que acaba-
mos de nos referir, estão cercados de indiscutível
substractum
jurídico
merecendo aguda reflexão.
Todavia, proclamada que foi, pelo Pretório Excelso, a não tipificação
como crime, do aborto de feto anencéfalo, a matéria deve ser vista, agora
como definitivamente solvida, insuscetível de nova discussão.
Perpassa-nos, contudo, o receio de que, inspirados em tal deci-
são, novas investidas possam vir a ser feitas, buscando autorização para
o aborto em casos de malformações, com a inauguração do que, sempre
em nosso país foi inadmitido,
in casu
, o aborto eugênico.
Foi essa mesma preocupação que assaltou o Ministro Cesar Pelu-
so, quando no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 54, no corpo de seu bem lançado voto vencido, registrou:
“Uma discussão judicial, isentando de sanção o aborto de fetos,
anencéfalos, ao arrepio da legislação existente, além de discutível, do
ponto de vista científico, abrirá as portas para a interrupção de gestações
de inúmeros embriões que sofram ou viriam a sofrer outras doenças ge-
néticas ou adquiridas que de algum modo, levariam ao encurtamento se
sua vida
intra
ou
extrauterina.
”
Toda essa discussão, contudo, a esta altura - após a decisão profe-
rida pelo Tribunal Maior do País, que reconheceu não constituir crime o
aborto de feto anencéfalo - restou ultrapassada:
magister dixit
.