

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 77 - 83, abr. - jun. 2016
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Da leitura de ementa do acórdão, proferido quando daquele julga-
mento, vê-se que seu ilustre prolator, o Ministro Marco Aurélio de Mello,
depois de haver como impertinente, para apreciação, na espécie, de qual-
quer questão religiosa, sob a consideração de ser o Brasil uma república
laica, e de enfatizar, como valores que, na hipótese em julgamento, deviam
ser preservados, o direito da mulher à autodeterminação; à liberdade se-
xual e reprodutiva e à saúde, vistos como direitos fundamentais, concluiu
por reconhecer como “inconstitucional a interpretação de a interrupção
da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126
e 128, incisos I e II do Código Penal”.
No corpo do acórdão, lembrou o seu douto relator que:
“Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No
caso do anencéfalo não existe vida possível. O feto anencéfalo é biolo-
gicamente vivo por ser formado por células vivas e juridicamente mor-
to, não gozando de proteção estatal. O anencéfalo jamais se tornará uma
pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte se-
gura. Anencefalia é incompatível com a vida”.
Foi na esteira de tal entendimento que o Tribunal Maior do País,
concluiu pela não tipificação, como crime, o aborto de feto anencéfalo
que, na espécie, foi havido como não detentor do direito de proteção do
Estado.
Dando ênfase a tal argumentação, foi trazido, no acórdão, à cola-
ção, o ensinamento do Dr. Thomás Rafael Gallop - membro emérito da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - forte a lembrar que
75% dos anencéfalos não chegam a alcançar o ambiente extrauterino, e
os 25% restantes têm cessados a respiração e batimentos cardíacos nas
primeiras 24 horas ou nas primeiras semanas seguintes, podendo, assim,
o anencéfalo ser considerado como: “um morto cerebral, que tem bati-
mento cardíaco e respiração”.
A decisão do Pretório Excelso, como já se registrou, anteriormente,
não foi unânime, tendo havido dois votos divergentes, que
in casu
, foram
os dos Ministros Ricardo Lewandowski e Cesar Peluso, que alinharam, em
seus pronunciamentos, judiciosas considerações, em nossa visão, mere-
cedoras de destaque.
No primeiro dos votos referidos: do Ministro Ricardo Lewandowiski,
vê-se que aduzido foi argumento, de grande relevância, quando se regis-
trou que, o Supremo Tribunal Federal não podia, como na hipótese ocor-