

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 218 - 224, abr. - jun 2016
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Esse tema já foi objeto de decisão favorável no Egrégio Superior
Tribunal de Justiça
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e de Resolução do Conselho Federal de Medicina
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re-
conhecendo a insuficiência do critério biológico para traduzir o direito à
autodeterminação e à diversidade humana.
Para além dessa possibilidade, baseada no modelo binário que
compreende, em tom excludente, somente as identidades masculina e
feminina, a realidade social e a velocidade das transformações sociais,
o respeito à pluralidade e a aversão constitucional ao preconceito e dis-
criminação tem encorajado a revelação de novos modos particulares de
identificação do gênero a que pertence cada um, aí se incluindo a neutra-
lidade de gênero, como já admitem alguns países europeus.
Em tese, ao menos na experiência do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, pode-se cogitar três possibilidades de competência em
relação ao pedido de alteração do nome e do sexo no caso de transexuali-
dade: i) Varas Cíveis; ii) Varas de Família; iii) Vara de Registro Público.
Este singelo trabalho tem o propósito de apontar, em conformida-
de com a Constituição da República e o substrato existente nas referidas
ações, o órgão competente para julgar o referido processo, e, para isso,
partirá de algumas premissas que serão desenvolvidas separadamente:
a) distinção entre orientação sexual e identidade de gênero; b) os funda-
mentos civis-constitucionais para o reconhecimento do direito ao perten-
cimento; c) os critérios de competência; d) a definição da competência na
experiência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
1 Registro público. Mudança de sexo. Exame de matéria constitucional. Impossibilidade de exame na via do recurso
especial. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211/STJ. Registro civil. Alteração do prenome e do sexo. Decisão
judicial. Averbação. Livro cartorário. 1. Refoge da competência outorgada ao Superior Tribunal de Justiça apreciar,
em sede de recurso especial, a interpretação de normas e princípios de natureza constitucional. 2. Aplica-se o óbice
previsto na Súmula n. 211/STJ quando a questão suscitada no recurso especial, não obstante a oposição de embargos
declaratórios, não foi apreciada pela Corte
a quo
. 3. O acesso à via excepcional, nos casos em que o Tribunal
a quo
, a
despeito da oposição de embargos de declaração, não regulariza a omissão apontada, depende da veiculação, nas ra-
zões do recurso especial, de ofensa ao art. 535 do CPC.
4. A interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73
confere amparo legal para que transexual operado obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome,
substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive. 5. Não entender juridicamente
possível o pedido formulado na exordial significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do in-
divíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na
sociedade. 6. No livro cartorário, deve ficar averbado, à margem do registro de prenome e de sexo, que as modificações
procedidas decorreram de decisão judicial.
7. Recurso especial conhecido em parte e provido. (REsp 737.993/MG, Rel.
Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10/11/2009, DJe 18/12/2009).
2 Resolução CFM nº 1.955/2010.