

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185 - 217, abr. - jun 2016
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solução correta. Nesse sentido, Herbert Hart trabalha essencialmente com a
textura aberta do direito
ao sustentar que um amplo leque de possibilidades
pode ser vislumbrado a partir do caráter polissêmico da lei. Veja-se a lição
que se colhe daquele que talvez seja o mais denso livro de filosofia jurídica
do século XX: “Qualquer que seja a estratégia escolhida para a transmissão
de padrões de comportamento, seja o precedente ou a legislação, esses pa-
drões, por muito facilmente que funcionem na grande massa de casos co-
muns, se mostrarão imprecisos em algum ponto, quando sua aplicação for
posta em dúvida; terão o que se tem chamado de
textura aberta
”.
87-88
Em seu pós-escrito, Hart afirma que todas as normas têm uma
zona
de penumbra
na qual o juiz precisa escolher entre alternativas igualmente
corretas, e, para tanto, deve exercer o poder de criar o Direito. Nesse mis-
ter, deve ser sempre capaz de “justificar sua decisão mediante algumas
razões, e deve atuar como faria um legislador consciencioso, decidindo de
acordo com suas próprias convicções e valores”.
89-90
Assim, por um lado, a
Teoria
Mista
detém o mérito de trazer para o debate a indeterminação da
linguagem. Mas, a despeito disso, continua presa à fantasia da
resposta
correta
, típica expressão da Teoria
Cognitivista.
Severa crítica a esse paradigma é fornecida por Aulis Aarnio, o qual,
após distinguir suas versões forte
91
e fraca
92
, rejeita-o ao argumento de
87
O conceito de Direito
. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 166. No mesmo sentido, Domingo Garcia
Belaunde, após salientar que a linguagem jurídica
“como todo lenguaje, se presta a confusiones, tiene zonas de
penumbra, muchas veces es vago o circular o requiere precisiones para aclarar su significado”, conclui que “esto
nos induce inevitablemente a tener humildad al enfocar el problema interpretativo y a aceptar sus limitaciones.
No hay ni habrá, em el proceso interpretativo, una solución única y excluyente para cada caso.”
("
La interpretacion
constitucional como problema"
.
Revista de Estúdios Políticos
, Nueva época, n° 86, octubre-diciembre/1994, p. 21).
88 “Existe um caminho do meio entre a Cila da indeterminação radical e a Caribdis da posição ingênua que sustenta uma
determinação absoluta. Admite-se que o direito não é e não pode ser totalmente indeterminado. Entretanto, o que é
crucial entender é que, apesar do fato de o direito ser necessariamente indeterminado, isso não significa que ele seja
permeado por uma indeterminação difusa e radical. A sua indeterminação se dá nas beiradas”. (Struchiner, Noel. "Indeter-
minação e objetividade. Quando o direito diz o que não queremos ouvir".
In
: Macedo Junior, Ronaldo Porto; Barbieri, Ca-
tarina Helena Cortada (coords.).
Direito e interpretação - racionalidades e instituições
. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 123).
89
Op. cit
., p. 352.
90 No sentido de que o juiz dispõe de um espaço de livre decisão, o escólio de Winfried Hassemer: “No entanto, a
ideia de que o veredicto judicial decorreria, inequivocamente, da norma codificada, foi, entretanto, superada. Ela
deu lugar ao reconhecimento de que o juiz cria o direito. (...) Admite-se que as palavras da lei nem sempre dão
indicações claras, que elas necessitam de ser preenchidas com valores, que são porosas ou vagas. ("Sistema jurídico
e codificação: a vinculação do juiz à lei".
In:
Kaufmann, A.; Hassemer, W (orgs.).
Introdução à filosofia do direito e à
teoria do direito contemporâneas
. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 283-298).
91
“Según esta version, para caso concreto existe uma resposta correcta que, además, puede ser detectada. La
respuesta está oculta em algún lugar dentro del ordenamiento jurídico, y la habilidad del juez consiste justamente
em hacer explícito lo que está ya implícito”. (
"La tesis de la única respuesta correcta y el principio regulativo del razo- namiento jurídico"
.
Revista Doxa
nº. 08 - Cuadernos de Filosofía del Derecho, 1990, p. 24).
92 “
Esta version acepta la ideia de que existe la respuesta correcta pero vacila a propósito de las posibilidades de
descubrirla. La única respuesta correcta no puede detectarse siempre (quizá nunca)”
. (
Idem, ibidem
).