

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185 - 217, abr. - jun 2016
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Nesse ponto, é preciso trazer à colação a
moldura normativa kelse-
niana
, figura geométrica que bem retrata os lindes da exegese
cética
. É no
capítulo oitavo da Teoria Pura do Direito (
Relativa indeterminação do ato de
aplicação do Direito
) que se deve mergulhar para examinar como o Mes-
tre de Viena vislumbra o processo interpretativo. Nesta ocasião, extrai-se
inexoravelmente que, na perspectiva da pirâmide normativa, a regra de es-
calão superior não vincula em todas as direções (sob todos os aspectos) os
atos mediante os quais é aplicada: “O Direito a aplicar forma uma moldura
dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é con-
forme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldu-
ra, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível”.
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ˉ
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Percebe-se, assim, que o normativista visualizava a interpretação
como uma atividade dirigida à redução da equivocidade do texto que
comporta um juízo valorativo: “(...) na aplicação do direito por um órgão
jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de co-
nhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em
que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilida-
des reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva”.
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Des-
sa maneira, como se entende por interpretação a fixação do conteúdo,
sentido e alcance possíveis de um texto, o resultado do itinerário herme-
nêutico será o estabelecimento de um quadro no qual opções várias são
simultaneamente legítimas. A jurisdição, por conseguinte, não conduz a
uma única solução correta, senão a soluções dignas de igual respeito.
86
A Teoria
Mista
da Interpretação, por sua vez, afirma que apesar de
o direito ser fundamentalmente indeterminado, não o é em todas as situ-
ações. Muitos casos se encontrariam em uma região de certeza semântica
das regras, de forma que, nessas hipóteses, poder-se-ia falar em uma única
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Teoria Pura do Direito
, 8ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 390.
84 “Estamos convencidos, não obstante, de que a sentença é ato de criação do direito, embora o seja também e, ao
mesmo tempo, de aplicação da norma legal. E, nessa afirmativa, inexiste algo de novo. Há tantas décadas, Hans Kelsen
já afirmava expressamente que toda norma seria ato de aplicação e, ao mesmo tempo, de criação do direito” (DERZI,
Misabel Abreu Machado.
Modificações da jurisprudência no Direito Tributário
. São Paulo: Noeses, 2009, p. 226).
85 Idem, p. 394.
86 “A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas
permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação ‘correta’. Isto é uma ficção de que se serve
a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal de segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das
normas jurídicas, este ideal somente é realizável aproximativamente. Não se pretende negar que esta ficção da univo-
cidade das normas jurídicas, vista de uma certa posição política, pode ter grandes vantagens. Mas nenhuma vantagem
política pode justificar que se faça uso desta ficção numa exposição científica do Direito positivo, proclamando como
única correta, de um ponto de vista científico-objetivo, uma interpretação que, de um ponto de vista político-subjetivo,
é mais desejável do que uma outra, igualmente possível do ponto de vista lógico. Neste caso, com efeito, apresenta-se
falsamente como uma verdade científica aquilo que é tão-somente um juízo de valor político” (
Teoria Pura
..., p. 396).