

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185 - 217, abr. - jun 2016
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Tribunal Federal deve zelar pela uniformidade na interpretação da Consti-
tuição, isso obviamente não quer dizer que ele possa impor a desconside-
ração dos julgados que já produziram coisa julgada material”.
55
Tal tendência não pode, porém, ser aceita. A rescisória deve ser
interpretada como um remédio processual excepcional.
56
Prova disso
é a irrescindibilidade com esteio na
injustiça
da decisão,
57
bem como a
orientação de interpretação restritiva das suas hipóteses de cabimento,
notadamente do inc. V do art. 485,
58
haja vista o uso do termo linguístico
literalidade
para fins de rescisão.
A rescindibilidade com espeque na lesão ao princípio isonômico,
ademais, importa na subversão de uma tradicional característica da resci-
sória, qual seja, seu incabimento à base da violação da jurisprudência. A
admissão, portanto, do
iudicium rescindens
com fundamento na dispari-
dade de tratamento oriunda de uma jurisprudência incoerente e contra-
ditória
59
é uma extravagância
60
. Ora, se sequer as súmulas persuasivas
61
ou vinculantes
62
- que condensam o posicionamento uniforme de um Tri-
bunal acerca de determinada matéria - nunca deram azo à rescisória, é
55 "Coisa julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória".
Revista Brasileira de Direito Processual
-
RBDpro n. 88, ano 22, out.-dez./2014, p. 113.
56 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Comentários ao Código de Processo Civil.
Tomo VI (Arts. 476-495),
Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 246.
57 Conforme aduz Pontes de Miranda: “As sentenças injustas que não caibam numa das espécies dos arts. 485 e
486 são injustas, porém não rescindíveis” (Idem, p. 337). O art. 800 do CPC/1939 preceituava que “A injustiça da
sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação res-
cisória”. Embora não tenha sido reiterado no atual CPC, o dispositivo, conforme noticia Alexandre Freitas Câmara,
veicula norma que continua a ser pacificamente admitida pela doutrina (
Ação Rescisória
. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 10, 53 e 86). Equivoca-se no ponto, com a devida vênia, Welder Queiroz dos Santos, ao afirmar que
a rescisória tem por finalidade a desconstituição da coisa julgada por motivos de injustiça da decisão rescindenda.
("Ação Rescisória: de Pontes de Miranda ao projeto de novo CPC".
In
: DIDIER JR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique
Pedrosa; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos (coords.).
Pontes de Miranda e o Direito Processual
, Salvador: Jus
Podium, 2013, p. 1.203.
58 YARSHELL,
op. cit.
, p. 323.
59 É bem de ver as seguintes ponderações de Taruffo que, conquanto direcionadas à Corte di Cassazione, aplicam-se
integralmente à realidade nacional:
“Per altro verso, il numero incontrollato delle decisioni favorisce una ulteriore
degenerazione, ossia il frequente verificarsi di incoerenze, e spesso di evidenti contraddizioni, e di repentini muta-
menti di indirizzo, nell’ambito della medesima giurisprudenza della Cassazione. Si tratta, purtroppo, di fenomeni
assai noti e frequenti, sui quali non possiamo approfondire il discorso. Per quanto qui interessa, essi portano a far
sì che l’uso della giurisprudenza sia spesso un’impresa complicata, difficile e rischiosa. Da um lato, invero, non si sa
quase mai se davvero si è arrivati a conoscere tutta la giurisprudenza (il che è spesso impossibile), o almeno tutta
la giurisprudenza rilevante su una determinata questione. Dall’altro lato, spesso si scopre che la giurisprudenza è
incoerente e contraddittoria: si tratterà allora di stabilire se vi è o non vi è giurisprudenza conforme, se vi è una giu-
risprudenza prevalente, se la giurisprudenza è incerta, o se addirittura vi è una situazione di caos giurisprudenziale”
(
Precedente e giurisprudenza
..., p. 19).
60 Por todos, Rosalina Pinto Costa Rodrigues Pereira (
op. cit.
, p. 127).
61 Nesse sentido, por todos, Freitas Câmara (
op. cit
., p. 82).
62 Compartilha desse entendimento Yarshell (
op. cit.
, p. 324, nota de rodapé n° 79).