

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185 - 217, abr. - jun 2016
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Perceba-se, na definição exposta, que há uma expressa referência à
utilização do critério interpretativo em casos futuros, ou seja, a função de
uniformização jurisprudencial não deve afetar situações jurídicas já cons-
tituídas, sob pena de violação à segurança jurídica. Os precedentes dos
tribunais, portanto, projetam sua eficácia vinculante prospectivamente,
conforme se colhe de outra obra do processualista: “É claro, de fato, que
essas cortes acabam por conseguir o objetivo da uniformidade da juris-
prudência
sucessiva
na medida em que as suas decisões adquirem eficá-
cia de precedente diante dos juízes que devem decidir
casos futuros
”.
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É bem de ver que não se discute que as alterações nos enunciados
prescritivos decorrentes das fontes formais do direito sejam inidôneas a re-
volver o manto preclusivo da coisa julgada. Trata-se de uma decorrência
imediata do princípio da irretroatividade previsto no inc. XXXVI do art. 5º
da Constituição Federal. Nesse sentido, veja-se que Chiovenda, a propósito
da irretroatividade das leis interpretativas, após asseverar que esta obje-
tiva
“togliere valore alle sentenze fondate sopra una interpretazione della
legge precedente contraria alla nuova interpretazione autentica”, prelecio-
nou que: “Che per sè una legge interpretativa non possa esercitare alcuna
influenza sulle sentenze passate in giudicato deriva dalla natura stessa della
cosa giudicata”.
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Ora, se essa exegese vale para a lei interpretativa, por que
a mesma conclusão não se aplica para o precedente? Existe alguma peculia-
ridade no sistema das fontes que justifique tratamento diverso?
As respostas perpassam a constatação de que o inc. XXXVI do art.
5º da Constituição Federal deve ser interpretado em sentido amplo (
irre-
troatividade do Direito
), do que resulta a necessidade de colher sob sua
égide preceitos que se enfeixem dentro de uma compreensão lata do or-
denamento jurídico. Quer-se dizer, com isso, que as normas produzidas
através do Direito Jurisprudencial não podem retroagir, com amparo no
art. 966 inc. V do NCPC, para restabelecer o discurso hermenêutico sobre
o âmbito semântico da
res
já definitivamente julgada.
Essa linha de exposição não é infirmada pelos efeitos
ex tunc
da
decisão de inconstitucionalidade em sede de controle abstrato. Costu-
ma-se afirmar que a decisão baseada em lei declarada incompatível com
critério di minima della compatibilità com il sistema e con i canoni generali dell’interpretazione della legge”
(Intro-
duzione. I
l vertice ambiguo. Saggi sulla Cassazione Civile
, Bologna: Il Mulino, 1991, p. 13.)
41 "As funções das Cortes supremas. Aspectos gerais".
In
:
Processo civil comparado: Ensaios
. Trad. Daniel Mitidiero.
São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 131.
42
Op. cit
., p. 917/918.