

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185 - 217, abr. - jun 2016
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Assim, dimensões há de um princípio que são intangíveis, uma vez
que materializam o mínimo irredutível do valor que lhe está à base. E a
coisa julgada (
certeza do direito
), por retratar o núcleo da segurança jurí-
dica, não deve se submeter a uma infausta condição resolutiva relaciona-
da à estabilização futura dos desacordos jurisprudenciais.
Dessa forma, é imperioso que o art. 966, inc. V do Novo Código de
Processo Civil seja interpretado à luz da necessidade de encerramento do
discurso jurídico após a formação da coisa julgada material.
23
Significa di-
zer que, uma vez concedida uma resposta hospedada pelo ordenamento
jurídico, deve-se precluir a possibilidade de revolvimento do campo se-
mântico. Assim não fora, e a se permitir que a imutabilidade decorrente
da coisa julgada fosse sujeita a um evento futuro e incerto, restaurar-se-ia,
na pena sempre certeira de Barbosa Moreira, o
pseudoproblema
dos limi-
tes temporais da
res iudicata
, já que, em verdade, “a autoridade da coisa
julgada, como tal, não se subordina a limite temporal algum”.
24
Posto, assim, e assim sumariamente assente, que (
i
) o Direito Pro-
cessual consubstancia um conjunto de regras, princípios e postulados re-
gradores da conduta humana dentro e fora do arco procedimental; (
ii
)
que esses dispositivos textuais consistem em um conjunto de signos lin-
guísticos carentes de sentido antes do processo interpretativo;
25
(
iii
) que
a pluralidade semântica antes da exegese - pressuposto de existência da
Ciência Hermenêutica
26
- alberga a possibilidade de diversas normas ju-
rídicas válidas serem colhidas a partir da mesma unidade fático-jurídica;
(
iv
) é imperioso concluir que a
inesgotabilidade de sentido(s)
durante o
processo judicial transmuda-se em
intangibilidade do sentido
após a for-
mação da coisa.
razão pela qual não pode servir como elemento para a conceituação de um instituto. São essas, em apertadíssima
síntese, as razões pelas quais se sustenta um sentido vetorial crescente de estabilidade decorrente do aprofunda-
mento cognitivo da definitividade das posições jurídicas:
certeza da lei, certeza da jurisprudência e certeza do direito.
23 MARINONI, Luiz Guilherme.
Coisa julgada inconstitucional
. 2ª ed., São Paulo: RT, 2010, p. 185.
24 Ainda e sempre a coisa julgada.
Revista dos Tribunais
n° 416, jun./1970, p. 15.
25 É nesse sentido a posição de Calmon de Passos: “(... ) o Direito, mais que qualquer outro saber, é servo da lingua-
gem. Como Direito posto é linguagem, sendo em nossos dias de evidência palmar constituir-se de quanto editado
e comunicado, mediante a linguagem escrita, por quem com poderes para tanto. Também linguagem é o Direito
aplicado ao caso concreto, sob a forma de decisão judicial ou administrativa. Dissociar o Direito da Linguagem será
privá-lo de sua própria existência, porque, ontologicamente, ele é linguagem e somente linguagem”. ("Instrumenta-
lidade do processo e devido processo legal".
Revista de processo
nº. 102, 2001, p. 63/64).
26 “Se o sentido não fosse tão rico, se ele fosse único, não existiria qualquer motivo para se cogitar da Hermenêuti-
ca. O resultado da interpretação seria o mesmo. Aliás, não haveria o sentido, pois aquilo que fosse extraído, por ser
único, não seria sentido. Este pressupõe alternativas de racionalidade. Por isso, também não haveria interpretação.
(...) A Hermenêutica, portanto, origina-se da inexauribilidade do sentido”. (FALCÃO, Raimundo Bezerra.
Hermenêu-
tica
. 2ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 244/245).