

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185 - 217, abr. - jun 2016
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3. O sentido vetorial de estabilidade das posições jurídi-
cas:
certeza da lei
,
certeza da jurisprudência
e
certeza do
direito
Um ponto nodal reside na consideração de que não existe
uma úni-
ca ontologia eficacial
da
segurança jurídica, senão várias, cada qual com
suporte fático e perfis funcionais, estruturais e eficaciais os mais diversos.
Com efeito, não se pode homogeneizar
status
díspares de estabilidade
normativa. Explica-se: a segurança que advém da lei abstrata e genérica
é apenas um
projeto de segurança
que pode ser infirmado pelas mais
diversas razões.
Sob o prisma normativo, a ambiguidade, vagueza, complexidade,
implicabilidade e derrotabilidade das prescrições textuais são hoje um
dado
até para os formalistas mais afeitos ao princípio da coerência do or-
denamento jurídico. No que atine à práxis, os quase cem milhões de pro-
cessos atualmente em curso são uma prova eloquente de que a lei, por si
só, apresenta apenas uma
segurança hipotética
: todo litígio é incerteza,
ou, melhor dizendo, uma falência do projeto
legal
de certeza.
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Não obstante, o princípio da legalidade como pressuposto
suficien-
te
da segurança jurídica consubstancia a bandeira típica da Teoria
Cogni-
tiva
da Interpretação: “O ponto importante a fixar é que o intérprete já
encontra uma norma concreta consumada e sua atividade é meramente
receptiva”.
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Essa tese, contudo, é insustentável. Como se sabe, a aposta
codificista
de que a previsão legislativa de todos os fatos da realidade se-
ria um instrumento apto à garantia de segurança jurídica foi derribada
pelo porvir da história. Na atual quadra, o mito da completude, o da coe-
rência e clareza do direito são, de fato, autênticos
topoi
do discurso jurídi-
co.
13
A mistificação legalista e o “absolutismo do Parlamento”
14
sofreram
11 “Quando se litiga, há uma insegurança insegura, que já se denominou de ‘insegurança da segurança’; podemos
falar de ‘incerteza da certeza’; a decisão judicial, que se transformará em caso julgado, não é uma reconstrução da
segurança anterior, fundada na lei, mas o caso julgado é constitutivo da certeza do direito em discussão, sob nova
forma de Segurança” (SOUZA, Carlos Aurélio Mota de.
Segurança Jurídica e Jurisprudência - Um enfoque filosófico-
-jurídico
, São Paulo: Ed. LTr, 1996, p. 144).
12 DINAMARCO, Cândido Rangel.
Fundamentos do processo Civil Moderno
, v. 1. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010,
p. 84. A defesa da atividade meramente declaratória do intérprete é evidente: “Quando ele intervém, já encontra
uma realidade consumada - o fato em sua relação lógica com a hipótese da norma geral, o significado axiológico
desta e, enfim, a norma concreta que brotou de encontro do fato com a norma” (p. 85).
13
“Noi non possiamo capire il significato pregnante di questa concezione se pensassimo alla legge como alle leggi
che conosciamo oggi, numerose, mutevoli, frammentarie, contraddittorie, occasionali”
(ZAGREBELSKY, Gustavo.
Il
diritto mite - Legge
, diritti, giustizia. Torino: Ed. Einaudi, 1992, p. 37).
14 MARINONI, Luiz Guilherme.
O STJ enquanto corte de precedentes - recompreensão do sistema processual da
Corte Suprema
. São Paulo: RT, 2013, p. 69.