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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185 - 217, abr. - jun 2016

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entre o enunciado textual, a jurisprudência e a sentença, à qual diretiva

o jurisdicionado se vincula?

Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio

. E,

concluindo a analogia, pode-se dizer que é a tutela da norma individua-

lizada que consubstancia o substrato axiológico seja do art. 502 do novo

CPC, seja do art. 195 do CTB, o qual prevê como infração grave “desobe-

decer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de

seus agentes”.

A linha argumentativa exposta parte da constatação de que a estru-

tura normativa da segurança jurídica comporta uma graduação que pode

ser representada, seguindo as fases anteriormente expostas, pelo

halo

(segurança legal), pelo

invólucro

(segurança jurisprudencial) e pelo

núcleo

(segurança jurisdicional) do componente de certeza que cada uma dessas

manifestações importa. E isso se dá porque, segundo Vittorio Denti, “la

funzione del processo, infatti, è quella di eliminare l`incertezza intorno ai

rapporti o stati giuridici sostanziali”.

21

ˉ

22

21

La giustizia civile

. Bologna: Il Mulino, 1989, p. 133.

22 Neste momento da exposição poder-se-á perceber que o artigo, em uma de suas premissas, discorda de uma

proposição da obra

Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas - Entre continuidade, mudança e transição de posições

processuais estáveis

de Antônio do Passo Cabral. Uma das teses do livro é que inexiste justificativa para diferen-

ciar a estabilidade dos atos jurisdicionais daquela existente para os demais atos estatais. Assim, para Cabral, estes

podem ser analisados em conjunto no que se refere à sua estabilidade normativa: “Isso poderia fazer pensar que a

sentença necessitaria de uma estabilidade normativa mais forte do que aquela necessária aos demais atos estatais.

Nessa linha, a coisa julgada seria um fenômeno excepcional, que afastaria a disciplina da estabilidade da sentença

final de mérito daquela de outros atos do Estado. Ora, mas por quê a sentença? Se outros atos estatais (pense-se na

lei ou num ato administrativo regulativo) possuem um efeito sistêmico muito maior, atingindo milhões de pessoas,

não seria a alteração destes atos que deveria causar uma preocupação maior em termos de segurança? Na ótica do

sistema, não seria a estabilidade normativa mais necessária para uma lei do que para uma sentença, cuja eficácia

se estende apenas inter partes? Entretanto, aqui já podemos perguntar: se os atos estatais não são mais ou menos

respeitados pelos indivíduos porque sejam imutáveis ou alteráveis, por que então a ênfase tão grande que se deu à

ideia de que, ‘sem coisa julgada, não haveria segurança’?" (p. 268) E, considerando que “um dos objetivos da acade-

mia é o constante debate no plano das ideias” (p. 46), as razões para nossa discordância serão brevemente suscita-

das. Em primeiro lugar, a assimetria no tratamento das estabilidades decorre do fato de que, se é verdade que todos

os que lidam com o direito o interpretam, apenas o intérprete autêntico é que, para além da atividade interpretativa,

produz a norma decisória do caso concreto. O legislador e o administrador, em suas respectivas esferas de atribui-

ções, criam enunciados prescritivos. Decidir definitivamente casos concretos, porém, ao menos em suas funções

típicas, não o fazem. Em uma linguagem cara ao leitor carneluttiano: decidem controvérsias, mas não julgam a lide

(composição definitiva de conflitos de interesses). Enfim, a pluralidade de intérpretes não importa uma equiparação

no grau de sua importância para o sistema normativo. Em segundo lugar, a estabilidade oriunda dos atos estatais

lato sensu

sempre comporta uma pluralidade de interpretações, e, por isso, pode ser considerada uma certeza

a

priori.

A coisa julgada, por sua vez, opera como uma cláusula de encerramento das alternativas de significação. De

uma lei podem-se depreender diversas normas jurídicas, ao passo que quem lê uma sentença extrai apenas uma,

sob pena de embargos de declaração. Em terceiro lugar, a utilização do critério da eficácia subjetivamente ampla

das leis em relação às sentenças (efeitos inter partes), para fins de determinação do grau de estabilidade normativa,

prova demais. Isso porque, seguindo essa linha de exposição, o quórum para a revogação de uma lei federal deveria

ser maior do que para a de uma lei municipal. Que uma emenda constitucional pressuponha uma maioria qualifica-

da para aprovação é só uma evidência de que à vontade constituinte se submetem as maiorias de ocasião e, quer

nos parecer, não infirma o argumento. E, por fim, a maior ou menor respeitabilidade dos atos estatais como critério

para atribuição de maior ou menor estabilidade adota um referencial externo ao ato para definir a sua essência. A

efetividade/eficácia social do comando é uma contingência exógena ao ato jurídico, mutável no tempo e espaço,