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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185 - 217, abr. - jun 2016

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Mais não se precisaria dizer caso a processualística não tivesse,

no último decênio, cerrado fileiras em uma

jihad

contra a coisa julgada.

Esse instituto, dotado de dignidade constitucional,

4

caro ao Estado Demo-

crático de Direito e representativo da ideia de segurança jurídica, está,

fragorosamente, sendo perseguido por certo setor da doutrina como se

fora o mais infiel dos valores.

E, assim como o Alcorão é indevidamente bradado pelos funda-

mentalistas para a prática das maiores atrocidades, o mesmo se passou

com a coisa julgada. A arma de combate dos

jihadistas

, legítimo instru-

mento vocacionado a corrigir em caráter excepcional vícios taxativamente

previstos, tem nome e sobrenome: ação rescisória.

É interessante destacar que há um vírus que desencadeou essa

guerra santa contra a estabilidade das situações definitivamente julgadas.

Trata-se do embevecimento dos profetas com a nomofilaquia, responsá-

vel, em apertadíssima síntese, pela evolução do ordenamento jurídico

através da uniformização jurisprudencial. Deveras, em um quadro crônico

de absoluta dispersão na aplicação do direito objetivo, o deslumbre com

a importação de institutos dirigidos à coerência na interpretação das nor-

mas jurídicas não poderia ser desprezível. Mas o encanto ultrapassou as

raias do legítimo.

Passou-se, assim, a advogar a possibilidade de rescisão, em virtude

de literal violação de lei - art. 485, inc. V, CPC/73, correspondente ao inc.

V do art. 966 do novo CPC: “violar manifestamente norma jurídica” -, da

sentença transitada em julgado face à formação posterior de um prece-

dente de lavra das Cortes Superiores em sentido contrário. A existência

de divergência interpretativa no âmbito dos tribunais à época da decisão

rescindenda, dessa forma, não seria obstativa da possibilidade de, quan-

do firmado o

princípio de direito

em última instância, rescindir a sentença

anteriormente prolatada. Uma nomofilaquia, portanto, com efeitos não

apenas pretéritos, como, ainda, rescindentes.

O objetivo declarado do presente artigo é demonstrar, à luz da Teo-

ria Cética da Interpretação, da compreensão linguística do fenômeno nor-

4 “Exigência essencial à segurança jurídica, a coisa julgada tem, entre nós, assento constitucional (art. 5º, inc. XXXVI,

CF), exatamente porque a relevância da imutabilidade e da indiscutibilidade das sentenças concretiza o anseio de

certeza do direito presente nas relações sociais” (GRINOVER, Ada Pellegrini. "Ação rescisória e divergência de inter-

pretação em matéria constitucional."

A Marcha do Processo

, Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 4). No mesmo sentido:

DINAMARCO, Cândido Rangel.

Instituições de Direito Processual Civil.

V. III, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 302.