

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 9 - 30, abr.-jun. 2016
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o interesse da sociedade, embora sempre funcionalizado, em sua essência,
à realização dos interesses individuais e existenciais dos cidadãos.
Nesta quadra histórica é que se pode falar primeiro numa desco-
dificação do direito civil, e
a posteriori
, na constitucionalização do direito
civil, situações ligadas umbilicalmente com as vicissitudes da globalização,
pós-revolução industrial, pós-guerras mundiais e vida contemporânea.
A descodificação passou a se operar através de leis esparsas que
tratam de diversos assuntos das relações privadas. No Brasil, pode-se falar
em Lei dos Cheques, Lei das Sociedades Anônimas, Lei de Locação, Lei de
Direito Autoral, Lei de Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor,
Estatuto do Idoso e Estatuto da Criança e do Adolescente, só a título de
exemplos, configurando verdadeiros microssistemas fora do Código Civil.
Já na seara constitucional, o que se viu foi a dignidade da pessoa hu-
mana ser erigida como categoria mestra de toda a Constituição, validando
todo o ordenamento jurídico e sendo pressuposto do Estado Democrático
de Direito, que, a partir de então, teve como parâmetro hermenêutico,
além do princípio da dignidade da pessoa humana, os direitos fundamen-
tais, que antes eram apenas limitadores do poder estatal e agora são per-
meados de valores das relações entre indivíduos. A Constituição passa a
ocupar o ápice na hierarquia e supremacia das fontes do ordenamento.
A interpretação dos dispositivos de legislações infraconstitucionais deve
sempre ser com base nos valores colacionados na Constituição (PERLIN-
GIERI, 2002).
Os mandamentos constitucionais na atualidade não admitem mais
a proteção da propriedade e da empresa como bens em si, mas somente
enquanto destinados a efetivar valores existenciais, realizadores de justiça
distributiva.
A família, os contratos, a sucessão e a propriedade foram engloba-
dos pelo corpo constitucional, todos sob o prisma da dignidade da pessoa
humana, que, como já foi dito, passa a ser o centro do ordenamento jurí-
dico e o Estado assume como finalidade a busca pela justiça material. Os
direitos fundamentais passam a ser aplicados e protegidos nas relações
interprivadas.
Eis o fenômeno da constitucionalização do direito civil.
Dessa forma, a constitucionalização do direito civil pode ser enten-
dida como a inserção constitucional dos fundamentos de validade jurí-
dica das relações civis; é mais do que um critério hermenêutico formal.