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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19,n. 73, p. 98 - 112, abr. - jun. 2016

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Por outro lado, os mesmos motivos pelos quais parte da doutrina

sustenta a flexibilização da imprescritibilidade das nulidades permitiriam

superar a aplicação dessa característica à inexistência, de modo que não

parece se justificar, em um sentido ou no outro, a diferença de regime ju-

rídico. Particularmente no caso do casamento putativo, sustenta-se ainda

que uma diferença estaria no fato de a boa-fé dos cônjuges aparentes não

permitir a manutenção dos efeitos do ato em benefício dos filhos caso o

casamento se repute inexistente, diversamente de outros casos de nulida-

de ou anulabilidade.

72

Como, porém, a lei não prevê hipóteses de inexis-

tência e todas aquelas aludidas pela doutrina constituem, à luz do Código

Civil, causas de nulidade, a distinção torna-se de difícil sustentação.

4. Consideração final

Em síntese, o conceito de inexistência, para alguns autores verda-

deira ficção jurídica,

73

desenvolveu-se à sombra da teoria das nulidades,

74

via de regra como forma mais flexível

75

de justificar a ineficácia de certos

atos que, embora plenamente válidos à luz dos requisitos legais, ainda

72 Segundo Eduardo ESPÍNOLA, partindo ainda da inadmissibilidade dos casamentos homoafetivos, “na verdade,

naqueles casos em que se não pode falar em casamento existente, porque houve falta absoluta de consentimento,

ou manifestamente idêntico era o sexo dos pseudos [sic] nubentes, ou ainda não houve celebração ou absoluta-

mente incompetente era o celebrante, a boa-fé dos cônjuges, ou de um deles, não tem a virtude de determinar, em

benefício deles ou dos filhos, os efeitos resultantes do matrimônio” (

Manual do Código Civil brasileiro

. Volume III,

parte IV, cit., p. 175).

73 Relata Caio Mário da Silva PEREIRA: “[...] há quem defenda a sua desnecessidade ou declare a distinção mera

sutileza bizantina, e quem se plante até na recusa aos seus méritos científicos, raciocinando que a própria expressão

ato inexistente não passa de uma

contradictio in adiectio

, por ver que o ato pressupõe a existência de algo, e a

inexistência é a sua negação” (

Instituições de direito civil.

Volume I, cit., p. 542). Parte da doutrina, porém, rejeita

o termo “inexistência” apenas para conferir idêntico conceito à noção de nulidade. Exemplificativamente, Martinho

GARCEZ: “Nós não temos necessidade de recorrer à categoria de atos inexistentes [...] porque temos a expressão

nulos de pleno direito, que traduz em nosso direito o mesmo que a palavra inexistente no direito francês” (

Das

nulidades dos atos jurídicos

, cit., p. 14). No mesmo sentido, ESPÍNOLA, Eduardo.

Manual do Código Civil brasileiro

.

Volume III, parte IV, cit., p. 146.

74 Reconhece Clóvis BEVILÁQUA que “a transição entre o ato nulo e o inexistente é suave; desliza a mente de um

para o outro como que insensivelmente”; o autor, no entanto, acaba concluindo que “a distinção é real, porque o

primeiro sofre de um vício essencial, que o desorganiza e desfaz: é um enfermo condenado à morte; o outro não

tem existência jurídica; será, quando muito, a sombra de um ato, que se desvanece” (

Teoria geral do direito civil,

cit., p. 258-259).

75 A vantagem dessa flexibilidade é registrada por PLANIOL e RIPERT: “La théorie a été présentée pour la première

fois par Zachariae; elle a été depuis lors acceptée par tous les auteurs, heureux de trouver en elle un moyen de sortir

d’embarras et d’annuler des mariages sans texte” (

Traité élémentaire de droit civil

. Tome 1er, cit., p. 134). Com

efeito, a teoria dos atos inexistentes não depende de previsão legal, podendo ser aplicada, por exemplo, em maté-

rias que não admitem as nulidades virtuais, como o casamento; nem depende, tampouco, de declaração judicial,

embora se admita provimento judicial com o fulcro de se desfazer mera aparência de ato (v. PEREIRA, Caio Mário da

Silva.

Instituições de direito civil

. Volume I, cit., p. 544).