

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19,n. 73, p. 98 - 112, abr. - jun. 2016
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objeto de tradicional lição que o associa à inexistência negocial, pode ser
considerado nulo,
63
tendo em vista que as circunstâncias da manifestação
volitiva são vedadas por lei (inclusive no âmbito penal), a atrair, senão a
incapacidade absoluta temporária do agente,
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ao menos a contrariedade
à lei como causa de nulidade virtual.
65
Realmente, as diferenças entre inexistência e invalidade não são
claras, mas não parece existir, no plano funcional, diversidade de propó-
sitos entre as duas categorias: ambas tratam da regulação da eficácia ne-
gocial a partir de um juízo de valor realizado sobre o ato ou, mais propria-
mente, sobre seus efeitos.
66
Talvez o melhor indício dessa paridade de funções consista na afir-
mativa, muito recorrente emmatéria de nulidade negocial, de que os atos
nulos não produziriam efeitos,
como se jamais houvessem existido
.
67
Nes-
se caso, a referência à existência do ato se mostra menos arriscada para
o adequado controle valorativo de seus efeitos do que aquela promovida
pelo plano da existência propriamente dito, porque, na teoria da invali-
de; c) a coação moral que, incutindo no espírito do paciente fundado temor de grave dano, leva-o a manifestar um
consentimento não querido” (
Direito civil
: introdução, cit., p. 543).
63 Sustenta, por exemplo, Orlando GOMES: “Só a violência moral vicia o consentimento. A violência física ou ma-
terial (
vis absoluta
) exclui a vontade. Nesse caso, o ato não será simplesmente anulável, mas nulo” (
Introdução ao
direito civil
, cit., p. 379). No mesmo sentido, Silvio RODRIGUES: “Se se tratar de
vis absoluta
, o ato jurídico é nulo,
por faltar um elemento substancial, isto é, o consentimento; se, ao contrário, caracterizar-se a hipótese de
vis com-
pulsiva
, o ato é meramente anulável” (
Direito civil
. Volume I, cit., p. 201). Com idêntico entendimento, cf. também
PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Instituições de direito civil
. Volume I, cit., p. 445. Já Francisco AMARAL afirma que o
negócio celebrado sob coação absoluta é “inexistente ou nulo” (
Direito civil
: introdução, cit., p. 544).
64 Proposta aludida por Orlando GOMES: “Diz-se, por exemplo, que não há vontade quando uma pessoa age num
acesso de loucura (Capitant), mas, nesse caso, o ato poderia ser declarado nulo por incapacidade absoluta do agen-
te” (
Introdução ao direito civil,
cit., p. 422). Tal solução resta prejudicada com a reforma do Código Civil promovida
pela Lei n. 13.146/2015, que retirou do rol de causas de incapacidade absoluta a impossibilidade temporária de
exprimir vontade, inserindo-a dentre as hipóteses de incapacidade relativa – mudança quanto à qual ainda não se
pode saber qual será a reação da doutrina e da jurisprudência.
65 Com idêntica argumentação, v. TRABUCCHI, Alberto.
Istituzioni di diritto civile
, cit., p. 160.
66 Isso acontece, na verdade, porque o crescimento da teoria da inexistência acabou absorvendo casos que já eram
anteriormente tratados como nulidades. O processo, observado na doutrina francesa por JAPIOT, começou pela
previsão de causas de inexistência “das quais a necessidade parecia evidente do ponto de vista do bom senso”, mas
logo evoluiu para hipóteses que começaram a se impor ao legislador (particularmente ligadas ao objeto ou à causa
da obrigação), as chamadas inexistências racionais, até o ponto em que se passou a cogitar de inexistências legais a
partir de disposições normativas que, de outra forma, seriam consideradas causas de nulidade absoluta (
Des nullités
en matière d’actes juridiques
, cit., p. 124-125).
67 Afirma-o, por exemplo, RUGGIERO: “A nulidade do ato é a mais grave imperfeição, não lhe permitindo que
produza qualquer dos seus efeitos próprios; o negócio jurídico é, pelo ordenamento, considerado como se não
se tivesse feito e se alguns efeitos dele resultaram, estes não são efeitos do negócio, como tal, mas consequência
dos fatos aos quais foi dada existência ao concluir o ato nulo” (
Instituições de direito civil
. Volume I, cit., p. 390).
PONTES DE MIRANDA criticava os autores que confundiam as noções de nulidade e inexistência, afirmando que
tal confusão acaba redundando, justamente, na supressão da categoria do nulo, que passa a ser considerada
sinônimo de ausência de elementos componentes, o que o autor considera um erro de lógica (
Tratado de direito
privado
. Volume IV, cit., p. 75).