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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 98 - 112, abr. - jun. 2016

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zam a nulidade, como se se tratasse de um

tertium genus

de invalidade,

talvez nem seja necessária. A rigor, todos os exemplos supracitados de

atos reputados inexistentes podem ser inseridos em causas de nulidade

negocial, quase sempre recaindo na ilicitude do objeto ou na violação da

forma prescrita.

56

Desse modo, não seria impreciso afirmar, à luz desses exemplos,

que os supostos atos inexistentes, na verdade, nada mais são que atos nu-

los.

57

Ilustrativamente, o contrato que tenha por objeto herança de pessoa

viva é nulo por versar sobre objeto vedado por lei;

58

o testamento gravado

em vídeo é nulo por não seguir as formas que legalmente admitidas;

59

e

assim por diante.

No que tange aos negócios sob reserva mental, autorizada dou-

trina os classifica como casos de simulação

60

– e até o testamento sob

reserva mental, que se costuma considerar inexistente, é reputado nulo

por alguns autores.

61

E mesmo o negócio celebrado sob

vis absoluta

,

62

56 Assim entende Orlando GOMES: “A teoria da inexistência é tida como construção inútil. A falta do objeto pode ser

considerada causa de nulidade, e a da vontade, até de anulabilidade. Não obstante, muitos lhe reconhecem grande

utilidade prática” (

Introdução ao direito civil

, cit., p. 422). Conclui o autor: “Se, doutrinariamente, é admissível a

distinção entre inexistência e nulidade, praticamente não teria utilidade. A lei não pode admitir a categoria dos

negócios jurídicos inexistentes porque, sendo simples fatos sem ressonância jurídica, logicamente, deles não deve

ocupar-se” (o.l.u.c.).

57 Sustenta, por exemplo, MENEZES CORDEIRO que “os pretensos casos de inexistência jurídica são, pois, casos

de nulidade, sob pena de gravíssimas injustiças, enquadradas por puros conceitualismos” (

Tratado de direito civil

.

Volume II, cit., p. 929).

58 PEREIRA, Caio Mário da Silva.

Instituições de direito civil

. Volume III, cit., p. 31.

59 Nesse sentido: GOMES, Orlando.

Sucessões

, cit., p. 41.

60 Assim, por exemplo, PEREIRA, Caio Mário da Silva.

Instituições de direito civil.

Volume I, cit., p. 421; VELOSO,

Zeno.

Invalidade do negócio jurídico

, cit., p. 94. No mesmo sentido, na doutrina portuguesa, cf. CORDEIRO, António

Menezes.

Tratado de direito civil

. Volume II, cit., p. 822, que entende que a reserva mental conhecia pelo declaratá-

rio, ainda que nem sempre configure simulação, enseja a nulidade do negócio.

61 A classificação decorre de entendimento, bastante difundido, de que no testamento prevalece, ainda hoje, a

teoria da vontade sobre a teoria da declaração; por tal razão, a disposição do art. 110 do Código Civil, segundo o

qual “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que

manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”, dirigir-se-ia apenas a declarações de vontade recep-

tícias, mas não às disposições testamentárias, que subsistiriam independentemente do conhecimento da reserva

mental por qualquer outra pessoa (nesse sentido, cf. CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de.

Direito das sucessões

, cit.,

p. 804-805; NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade.

Código Civil comentado

, cit., p. 251). Ainda que

se considere procedente tal princípio interpretativo dos testamentos, contudo, não se verifica qualquer razão para

afirmar que a reserva mental não corresponda a hipótese de nulidade do ato. De fato, tal entendimento já podia

ser encontrado na doutrina clássica italiana, afirmando, por exemplo, Francesco FERRARA que a reserva mental nos

negócios

mortis causa

é relevante, mas enseja a nulidade do ato (

A simulação dos negócios jurídicos

. São Paulo: Red

Livros, 2014, p. 75). Esta

ratio

também parece ter sido adotada pelo codificador português, que, ao tratar de uma

das hipóteses mais frequentes de reserva mental testamentária, dispôs no art. 2.200: “É anulável a disposição feita

aparentemente a favor de pessoa designada no testamento, mas que, na realidade, e por acordo com essa pessoa,

vise a beneficiar outra”.

62 A distinção tradicional entre vis absoluta e vis compulsiva pode ser encontrada, dentre outros, na lição de Francis-

co AMARAL: “O sistema do Código Civil abrange: a) violência física absoluta, que impede a formação do ato jurídico,

por falta de consentimento; b) a coação física que constrange o agente a dar uma declaração contrária à sua vonta-