

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19,n. 73, p. 98 - 112, abr. - jun. 2016
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(conquanto igualmente incorreto) considerar que o ato não tem natureza
negocial (por lhe faltarem os supostos elementos essenciais), mas existe,
do que postular sua inexistência.
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3. Enquadramento dogmático da matéria na teoria geral
das invalidades do negócio jurídico
Se tais considerações são verdadeiras, a noção de inexistência, de
cunho muito mais ontológico que deontológico, somente pode ser con-
cebida (caso se pretenda considerá-la uma qualificação jurídica) se for
entendida como uma espécie de invalidade do negócio, vale dizer, uma
justificativa para a inaptidão do ato a produzir efeitos. Não se verifica,
nessa perspectiva, qualquer escalonamento procedimental entre os cha-
mados planos da validade e da existência, identificando-se, em vez disso,
tão somente a recusa do ordenamento a esse reconhecimento de efeitos,
tanto na inexistência quanto na invalidade.
Essa recusa pode se apresentar mais ou menos drástica em face dos
efeitos aos quais tende o negócio (muito embora não se vislumbre neces-
sariamente um grau de reprovação maior quanto à eficácia dos atos ditos
inexistentes em relação à reprovação dirigida aos atos nulos),
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e ainda
pode se configurar a partir de requisitos mais ou menos rígidos, confor-
me se trate de uma hipótese da chamada inexistência, ou de nulidade ou
anulabilidade, mas sempre se estará diante de uma invalidade negocial.
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A cautela, aliás, com que se acaba de afirmar que os requisitos da
inexistência poderiam ser menos rígidos do que aqueles que caracteri-
A respeito, criticava JAPIOT: “l’acte a pu être exécuté; peu importe, il est inexistant, la justice n’en veut point enten-
dre parler [...]; on ne prend pas garde qu’ainsi se trouve consolidé un état de fait contraire au but de la loi: on s’est
élevé trop haut dans l’abstraction pour avoir égard aux faits” (
Des nullités en matière d’actes juridiques
, cit., p. 131).
53 Esta solução parece ser proposta por Antonio Junqueira de AZEVEDO: “Se, no plano da existência, faltar um dos ele-
mentos próprios a todos os negócios jurídicos (elementos gerais), não há negócio jurídico; poderá haver um ato jurídico
em sentido restrito ou um fato jurídico, e é a isso que se chama ‘negócio inexistente’” (
Negócio jurídico
, cit., p. 63).
54 No entanto, a noção de que a inexistência corresponderia a um grau mais elevado de reprovação dos efeitos
do ato pela ordem jurídica é aludida por vários autores. Na doutrina brasileira, por exemplo, Zeno VELOSO a con-
sidera “o grau máximo da eficácia” (
Invalidade do negócio jurídico
, cit., p. 135). No direito francês, destaca Jean
CARBONNIER: “La sanction générique est l’inefficacité. On peut rationnellement en distinguer trois degrés dans un
descrescendo d’énergie: inéxistence, nullité absolue, nullité relative, et répartir entre eux les différents cas” (
Droit
civil
. Tome 2. Paris: PUF, 2004, p. 2.095).
55 Contra, v. Antônio Junqueira de AZEVEDO: “Não é lógico que se continue a colocar, ao lado do nulo e do anulável,
o negócio dito inexistente, como se se tratasse de um
tertium genus
de invalidade. Não há uma gradação de invali-
dade entre o ato inexistente, o nulo e o anulável” (
Negócio jurídico
, cit., p. 63).