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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 98 - 112, abr. - jun. 2016

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dade, sabe-se de antemão que o intérprete deverá solucionar o proble-

ma colocado pelos efeitos produzidos pelo ato (ainda que a solução já se

encontre, em princípio, prevista na lei, conforme se trate de ato nulo ou

anulável), decidindo por sua manutenção ou desconstituição.

68

Por outro lado, também do ponto de vista estrutural, não se vislum-

bra diferença entre inexistência e invalidade que justifique o tratamento

autônomo da primeira categoria.

69

Afirma-se, por exemplo, que, no caso

dos atos inexistentes, seria sempre possível pretender judicialmente seu

desfazimento, já que, diversamente dos atos nulos, não convalesceriam

com o decurso do tempo nem permitiram confirmação pelas partes.

70

Tal

alegação, contudo, não apenas comprova que os ditos atos inexistentes

podem produzir, de fato, efeitos (sobre os quais a ordem jurídica precisará

se pronunciar eventualmente) como também contraria a própria teoria

tradicional das nulidades,

71

segundo a qual, como se verá mais adiante,

também estas não prescreveriam e não admitiriam ratificação.

68 Alguns autores, por outro lado, mesmo sustentando a diferença entre atos inexistentes e nulos, ressaltam que

também no caso dos atos inexistentes sempre seria necessário o reconhecimento judicial do vício. Assim, por exem-

plo, Luiz Paulo Vieira de CARVALHO: “A inexistência do testamento em sentido jurídico, embora se configure como

um nada no campo do direito, deverá [...] ser declarada judicialmente, seja mediante ação própria, que,

in casu

, é a

ação declaratória da inexistência do negócio, seja

ex officio

em qualquer processo ou procedimento sucessório, caso

o magistrado a encontre aprovada, sob pena de o testamento continuar a produzir seus aparentes efeitos” (

Direito

das sucessões

, cit., p. 802).

69 O mesmo se afirma na doutrina francesa, inclusive a respeito do casamento, exemplo que justificou a própria

noção de inexistência. Nesse sentido, por exemplo, Jean CARBONNIER explica que, no caso do casamento celebrado

sem a presença da autoridade competente, o caso seria, tradicionalmente, considerado como ato inexistente. No

entanto, a jurisprudência o tem considerado “[...] comme simplement nul, non comme inexistant (ce qui lui permet

d’appliquer, après l’annulation, le bénéfice du mariage putatif)” (

Droit civil

. Tome 1, cit., p. 1.199).

70 Na doutrina francesa, analisava criticamente JAPIOT que se popularizaram expressões como “não se pode confir-

mar o nada” (“on ne peut pas confirmer le néant”) ou, ainda, “cura-se um doente, mas não ummorto” (“on guérit un

malade, on ne guérit pas un mort”), para fazer referência ao negócio inexistente. No que tange à prescrição, como

relata o autor, também não se admite, em geral, a convalidação com o tempo do ato inexistente, já que não poderia

a inação validar o que é desprovido de existência: “não há geração espontânea” (“pas de génération spontanée”)

(

Des nullités en matière d’actes juridiques

, cit., p. 135). Assim também na doutrina brasileira: “o negócio jurídico

inexistente, por não ingressar no mundo do direito, pode ser impugnado (rectius: ter reconhecida a sua inexistência)

a qualquer tempo, não lhe sendo oponíveis a convalidação ou o esgotamento do prazo prescricional, que poderiam

ser invocados em face do negócio jurídico inválido” (TEPEDINO, Gustavo. "Aquisição a non domino e os efeitos do

tempo na cadeia de aquisição imobiliária".

Soluções práticas de direito.

Volume I. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011, p. 581). Tal posicionamento a respeito dos negócios inexistentes, segundo alguns autores, seria sustentado

mesmo por aqueles que admitissem a possibilidade excepcional de convalidação dos negócios nulos. A respeito, v.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Volume I, cit., p. 291; LOPES, Miguel Maria de Serpa.

Curso de direito civil

. Volume I,

cit., p. 505. A questão torna-se ainda mais clara em matéria de disposições de última vontade, para cuja nulidade o

próprio Código Civil prevê prazo de alegação (art. 1.859), os quais a doutrina afirma, no entanto, não se estenderem

aos testamentos inexistentes (v. CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de.

Direito das sucessões

, cit., p. 802).

71 Nesse sentido, relata JAPIOT que, se a teoria das formas de ineficácia negocial iniciou-se na doutrina francesa

comportando diversas categorias, com gradações de ineficácia, com o crescimento da teoria da inexistência tais

categorias foram reduzidas pouco a pouco (“suppression progressive des intermédiaires”), até que, em certo mo-

mento, apenas se cogitava de duas “etiquetas”, nos termos usados pelo autor: a nulidade relativa (associável à

anulabilidade no direito brasileiro) e a inexistência (

Des nullités en matière d’actes juridiques

, cit., p. 124-136).