

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19,n. 73, p. 98 - 112, abr. - jun. 2016
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a determinado negócio jurídico, como se simplesmente “não existisse”.
Na maior parte das vezes em que a doutrina faz alusão à inexistên-
cia negocial, assim, o que se pretende realmente dizer é que os efeitos
do ato serão desconsiderados juridicamente.
44
A designação, porém, não
parece desejável, pois remete a um juízo naturalístico muito pouco com-
patível com as qualificações jurídicas.
Tal crítica é agravada pelo fato de a doutrina da inexistência efe-
tivamente aludir à necessidade de estarem presentes certos
elementos
para que o ato possa “existir”,
45
a sugerir que os atos designados como
inexistentes seriam desprovidos de sujeitos, objeto ou forma, o que não
corresponde à realidade – se existe a simples discussão sobre a dita exis-
tência do ato, é porque houve ação humana sobre determinado objeto e
seguindo certa forma, ou, do contrário, sequer se poria o problema.
46
A
noção de elementos essenciais de certo ato decorre da teoria dos
essen-
tialia negotii
: a essencialidade, na verdade, refere-se à configuração de
certo tipo negocial (note-se, uma qualificação jurídica), e não à realização
fática do negócio.
47
Assim, ainda que se considere que nenhum dos efeitos a que tende
o chamado ato inexistente pode ser juridicamente reconhecido, apenas
se terá certeza quanto a essa rejeição quando o julgador for conclamado
a declarar a não produção de tais efeitos (em prol da segurança jurídica),
bem como regular eventuais expectativas juridicamente relevantes que
possam ter surgido em decorrência da aparência de validade negocial,
sobretudo perante terceiros.
48
44 Assim, por exemplo, leciona Salvatore PUGLIATTI que “la inesistenza del negozio va considerata dal punto di vista
giuridico; essa concerne quei negozi giuridici i quali storicamente esistono, ma giuridicamente vengono considerati
tamquam non essent, per una causa di natura formale, derivante cioè dall’ordinamento giuridico” (
I fatti giuridici,
cit., p. 151). O autor ainda sustenta que determinado negócio apenas se pode considerar inexistente em relação à
norma que o disciplina (
Ibid.
, p. 156).
45 Cf., ilustrativamente, VELOSO, Zeno. "Nulidade e inexistência".
In
: CASSETTARI, Christiano.
10 anos de vigência
do Código Civil brasileiro de 2002:
estudos em homenagem ao professor Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 198.
46 Alguns autores, nesse sentido, costumam indicar que seriam inexistentes os atos que socialmente não seriam
capazes de apresentar sequer uma aparência social de atos jurídicos: “la disciplina della nullità pressupone che l’atto
sia riconoscibile almeno sul terreno fenomenico, mentre l’inesistenza esclude la configurabilità del negozio anche
sul piano sociale” (PERLINGIERI, Pietro.
Manuale di diritto civile
, cit., p. 562). O autor cita como exemplos de atos
inexistentes, nessa perspectiva, o testamento encenado por um ator no palco ou o contrato que o professor simula
celebrar com o aluno como exemplo didático (o.l.u.c.). No mesmo sentido, Alberto TRABUCCHI (
Istituzioni di diritto
civile
, cit., p. 160) reserva a inexistência para atos que não tiveram nenhuma realização material.
47 Assim, por exemplo, Emilio BETTI definia o negócio inexistente como o “simulacro de negócio que se pensa ter
realizado”, ao qual “não se ligam efeitos jurídicos de tal qualidade que possam referir-se ao tipo em questão” (
Teoria
geral do negócio jurídico
, cit., p. 663).
48 Tal afirmativa era admitida até mesmo por ZACHARIAE a respeito do casamento que reputava inexistente: “Pode