Background Image
Table of Contents Table of Contents
Previous Page  104 / 256 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 104 / 256 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 98 - 112, abr. - jun. 2016

104

existência do fato material, mas sim atribuir ou negar efeitos a esse fato.

39

Basta observar, nesse sentido, como muitos dos autores que sustentam

a utilidade da figura da inexistência acabam por aplicar ao Direito uma

lógica idêntica àquela das ciências naturais, como se a ciência jurídica re-

sultasse de regras da natureza e não da construção intelectual humana.

40

Como se sabe, são os efeitos (isto é, as situações jurídicas subjetivas)

da repercussão, na esfera jurídica, dos fatos sociais;

41

parece mais adequa-

do, assim, considerar que assiste ao direito negar

repercussão

ao fato, mas

não existência. Em outros termos, embora seja possível (e, inclusive, muito

comum na prática judicial) declarar a inexistência de um direito, ou de uma

obrigação, contraria a lógica jurídica a declaração de inexistência de um ato

de vontade, justamente por se tratar de matéria fática.

O contrassenso em um conceito “jurídico” de (in)existência já era

notado pela doutrina tradicional,

42

e a contradição sobressai ainda mais

à luz da civilística contemporânea – que, ao considerar juridicamente re-

levantes todos os atos humanos (embora, muitos deles, não destinados à

produção específica de efeitos, constituam mero exercício de liberdades

asseguradas pelo direito),

43

não admite que o ordenamento feche os olhos

determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que está ligado a

esse ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-

-a o fato em questão por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe empresta a

significação jurídica, por forma que o ato pode ser interpretado segundo esta norma” (

Teoria pura do direito

. São

Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 4).

39 Este descompasso levou a doutrina a fazer esclarecimentos como os de PLANIOL e RIPERT: “Il n’y a lieu de

s’occuper des cas d’inexistence qu’autant que l’acte a été accompli en fait et que la preuve en est fournie; sont

naturellement inexistents les actes que persone n’a jamais faits, mais de ceux-là personne ne s’occupe, tandis qu’un

acte peut exister en apparence, avoir sa preuve et être néanmoins juridiquement inexistant” (

Traité élémentaire

de droit civil

. Tome 1er., cit., p. 134). Também TRABUCCHI entende que o termo inexistência “[...] si presterebbe

meglio a indicare i casi in cui manchino gli elementi materiali dell’atto (quando non ci sia stato neppure un minimo

di dichiarazzione del soggetto: es. vendita che uno non si è mai sognato di fare: inesistenza del negozio) mentre la

nullità comprende anche tutti i casi, praticamente assai più importanti, nei quali sono presenti gli elementi materiali

e mancano invece gli elementi giuridici dell’atto [...]” (

Istittuzioni di diritto civile

, cit., p. 160).

40 Eminentes vozes, porém, chegam ao ponto de aplicar ao Direito lógica idêntica à das ciências naturais. V., por

exemplo, Martinho GARCEZ: “Uma lei natural preside à formação dos corpos, tanto no mundo físico quanto no

mundo jurídico. Os contratos são corpos jurídicos, disse Ihering. [...] Ora, para que o ato jurídico se forme e possa

ter existência, é preciso que ele reúna um certo número de elementos orgânicos e vitais” (

Das nulidades dos atos

jurídicos

. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 13). Com idêntica construção, LOPES, Miguel Maria de Serpa.

Curso de

direito civil

. Volume I, cit., p. 504.

41 A respeito, permita-se remeter a SOUZA, Eduardo Nunes de.

Situações jurídicas subjetivas

: aspectos controver-

sos. Civilistica.com, a. 4, n. 1, 2015.

42 Reconhece, por exemplo, Caio Mário da Silva PEREIRA que “a teoria do ato inexistente é uma quebra de sistemá-

tica” (

Instituições de direito civil

. Volume I, cit., p. 541).

43 Trata-se de pressuposto da escola civil-constitucional, conforme ensina Pietro PERLINGIERI: “O fato concreto

é sempre juridicamente relevante; nem sempre, todavia, a norma lhe atribui efeitos jurídicos individualizáveis de

modo específico e determinado [...] os chamados fatos ‘juridicamente irrelevantes’, na verdade, ou são fatos rele-

vantes (como o exercício de liberdade), mas não predeterminados a ter eficácia, ou não são fatos” (

O direito civil na

legalidade constitucional

, cit., p. 638-640).