

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 98 - 112, abr. - jun. 2016
100
Um deles seria traduzido por Aubry e Rau
4
– dois dos mais notórios
juristas franceses, cujo Curso de Direito Civil viria a ganhar o apropriado
subtítulo
d’après la méthode de Zachariae
. Na França, a noção de ine-
xistência se conjugaria com a crescente teoria da validade contratual,
particularmente impulsionada pela obra de Demolombe,
5
e se con-
solidaria como uma relevante hipótese de ineficácia do ato jurídico.
6
Com a teoria do ato inexistente, pretendia Zachariae resolver
problemas práticos de um instituto no âmbito do qual o direito civil
francês se mostrava particularmente rígido em matéria de nulidades:
o casamento.
7
De fato, sustentava-se então que o casamento era regi-
do pelo princípio
pas de nullité sans texte
, ou seja, que esse ato jurí-
dico não admitia causas virtuais de nulidade, mas apenas as textuais.
Semelhante entendimento seria posteriormente superado em sede
doutrinária,
8
embora grande parte da doutrina o sustente até hoje no
direito brasileiro.
9
À época, no entanto, a
communis opinio
se quedava perplexa
diante de três hipóteses que, embora se considerassem, no âmbito
doutrinário, contrárias à ordem jurídica, não contavam com comi-
nações expressas de nulidade pelo legislador:
10
cuidava-se, nomea-
4 ZACHARIAE, K. S.
Cours de droit civil français
. Tome 1er. Bruxelles: Meline, Cans et Comp., 1850.
5 Conforme relatava René JAPIOT já no início do século XX, nos trabalhos dos primeiros comentadores do Code não
constava a expressão “inexistência”, salvo como “[...] simple figure de réthorique servant à traduire en un langage
imagé tout ce qu’il y a de rigoureux et de radical dans certaines inefficacités. Ce n’est guère qu’avec Demolombe
qu’elle prend consistance. [...] Et dès ce moment l’inexistence est devenue une conception qui possède une valeur
véritable” (
Des nullités en matière d’actes juridiques
, cit., p. 121-122). Explicava, ainda, o autor, que “[...] cette fixa-
tion d’une date de naissance comporte un certain arbitraire, car c’est par des transitions insensibles qu’on est arrivé
à donner aux mots un sens de plus en plus sérieux: nous croyons cependant que si l’on veut indiquer, dans la mesure
où il est possible de le faire, un événement qui marque le passage du vague à la netteté, c’est encore la théorie de
M. Demolombe qu’il vaut mieux choisir” (o.l.u.c.).
6 Esse breve itinerário é relatado por Caio Mário da Silva PEREIRA: “Imaginada por Zachariae, aceita por Demolom-
be, divulgada por Aubry e Rau, desenvolvida pelas doutrinas francesa e italiana, encontra geral e boa acolhida a
teoria da inexistência” (
Instituições de direito civil.
Volume I, cit., p. 542).
7 Cf., a respeito, ESPÍNOLA, Eduardo.
Manual do Código Civil brasileiro
. Volume III, parte IV, cit., p. 145-154.
8 Por todos, cf. CARBONNIER, Jean.
Droit civil
. Tome 1. Paris: PUF, 2004, p. 1.395, segundo o qual a doutrina moder-
na francesa tende a reconduzir todos os casos de inexistência à categoria da nulidade absoluta.
9 Afirma-o, por exemplo, PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Instituições de direito civil.
Volume I, cit., p. 544. V., ainda,
CASTRO JÚNIOR, Torquato. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico inexistente. São Paulo: Noeses,
2009, p. 124-125, em que o autor afirma que a doutrina que exige a nulidade textual em matéria de casamento “é
correlata privada do
nullum crimen sine lege
. Significa que todas as nulidades, exatamente porque atingem restri-
tivamente a esfera de liberdade do sujeito, devem estar de antemão tipificadas no ordenamento jurídico. No caso
do direito matrimonial, isso é ainda mais relevante para garantir a segurança do vínculo matrimonial, que somente
pode ser atacado pelos vícios que a lei taxativamente indica”.
10 A respeito dessas hipóteses, cf. ZACHARIAE, K. S.
Droit civil français
. Tome 1er., cit., p. 170-171. E, ainda, JAPIOT,
René.
Des nullités en matière d’actes juridiques
, cit., p. 122 ; CORDEIRO, António Menezes.
Tratado de direito civil.
Volume II, cit., p. 925.