

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 72, p. 27 - 40, jan. - mar. 2016
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familiar –, mais agressões e mais danos psicológicos aos envolvidos, senão
danos físicos ainda mais graves.
Parece-nos que a problemática aqui reside na ausência de uma vi-
são mais conjunta e uniforme de Políticas Públicas em Direitos Humanos
para as mulheres. Aliás, é justamente essa ausência de noção de pertenci-
mento a um conjunto de atuações políticas que faz com que alguns atores
do Judiciário se tornem prisioneiros de um pretenso cientificismo positi-
vista acrítico e unidisciplinar. Por conseguinte, não se promove substan-
cialmente a conscientização da importância da inserção do Judiciário na
Rede de Proteção Integral à Mulher.
O trabalho em Rede, além de reforçar os parâmetros de instrumen-
tos para a promoção da cidadania feminina e as estratégias de empode-
ramento, evita encaminhamentos inexequíveis e distorções das próprias
decisões. Quando a Rede de Atendimento se apresenta bem implantada,
há maior probabilidade de eficácia das medidas protetivas e de um traba-
lho mais consistente dentro das Políticas Públicas voltadas para a temática
de gênero. A começar pelo linguajar:
Quando cheguei no JVDFM, eu falava muito em crime. Nós
advogados estamos acostumados com a subsunção: a lei diz
que tal fato é crime, então devemos tratá-lo como crime. No
entanto, essas mulheres não buscam uma resposta penal;
querem um tratamento familiar. Se eu falo em ação criminal
logo no início, elas fogem e não voltam mais
(Defensora Pú-
blica do Juizado G).
Com efeito, o contexto social em que ocorre a violência de gênero
com frequência leva as vítimas a se sentirem corresponsáveis pelas agres-
sões sofridas. Tal sentimento torna mais difícil narrar o problema junto
aos serviços de atendimento – Delegacias, Defensorias, Juizados –, uma
vez que se trata da exposição íntima de algo que, devido a esse sentimen-
to equivocado de culpa, pode ser motivo de vergonha para a vítima que
busca auxílio. Desse modo, é determinante que o primeiro contato com a
Rede de proteção, que não raro acontece na Delegacia de Polícia, inclua
um acolhimento capaz de permitir que essa mulher se sinta de fato titular
de seus direitos, legitimando sua ação no sentido de romper com o ciclo
de violência a que estava sendo submetida.