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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 72, p. 168 - 190, jan. - mar. 2016

Com o advento do movimento filosófico e político do Iluminismo,

há uma ruptura com esse modelo de organização social. Porém, como

mencionei em outros artigos de História do Direito

22

, se trava uma bata-

lha, pouco conhecida, entre mulheres e homens envolvidos com o mo-

vimento iluminista. Apenas situo o exemplo de Olympe de Gouges, que

chegou a elaborar uma “Declaração dos direitos da Mulher e da Cidadã”

23

e, ao fazer oposição a Robespierre, foi guilhotinada em 1793, considerada

um “mau exemplo” de mulher.

E por qual motivo cito isso em uma análise sobre feminicídio? Ocor-

re que o modelo “vitorioso” de organização social, que prevaleceu como

resultado da revolução iluminista, foi essencialmente o masculino. Então,

nenhuma declaração de direitos ou texto constitucional empregava ex-

pressões que indicassem a inclusão de todas as mulheres. Substantivos,

artigos e adjetivos sempre eram empregados no “masculino”. Por isso, a

adoção os textos revolucionários, como a declaração francesa de 1789, se

intitula “Declaração dos direitos do homem e do cidadão”.

E estabelece-se, logo no primeiro artigo: “

Os homens nascem iguais

e são livres e iguais em direitos

”. Essa expressão se perpetua na maioria

das Constituições dos estados ocidentais democráticos, mesmo quan-

do em outras passagens se afirma a suposta igualdade entre homens e

mulheres.

Isso marca profundamente o desenvolvimento do princípio

da igualdade nos períodos subsequentes. Abole-se uma sociedade esta-

mental, mas, reinventa-se outra forma de exclusão. A expressão “

Todos

somos iguais perante a le

i”, se dirige exclusivamente à figura do homem

ocidental, branco e proprietário. Mulheres, negros, crianças e índios são

excluídos do exercício de direitos. Em uma perspectiva apenas simbólica,

mas que não permite problematizar o exercício do poder público apenas

pelo homem, a linguagem jurídica passará a ser empregada de forma su-

postamente “neutra”. Porém, não há nenhuma neutralidade no emprego

de uma linguagem excludente.

E se acaso consideram muito radical meu discurso, pergunto-lhes

então por qual motivo as mulheres lutaram durante o século XIX e XX

22 Dentre estes, cf. SABADELL, Ana Lucia. "Iluminismo Jurídico e Liberalismo: O processo de inclusão limitada da mu-

lher e seus reflexos no pensamento de Corrêa Telles e Schopenhauer",

in

: Jacson Zilio e fábio Bozza (orgs.)

Estudos

críticos sobre o sistema penal

. LedZe, Curitiba. 2012, p. 383 e ss.

23Paraas interessadase interessados,háumaversãoonlinedessadeclaração

,ver:http

:/

/www.direitoshumanos.usp

.

br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-

-at%C3%A9-1919/declaracao-dos-direitos-da-mulher-e-da-cidada-1791.html.