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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 72, p. 168 - 190, jan. - mar. 2016

quando salienta que “a criação de novos tipos penais ou a maior severida-

de da repressão penal em relação a violências praticadas contra a mulher

em nada podem contribuir para o reconhecimento e garantia de seus di-

reitos, tampouco trazendo qualquer contribuição para que se avance na

concretização da igualdade entre homens e mulheres e na construção de

uma nova forma de convivência entre os sexos”.

3.1.2. Análise dos argumentos relativos à violação do princípio da igual-

dade

Uma característica que apresentam os argumentos citados é afirmar

que houve violação do princípio da igualdade, já que não se concede o mes-

mo tratamento jurídico em caso de assassinato de homens. Voltaremos a

analisar esse argumento mais adiante. Inicio a análise desse apartado es-

pecificando alguns dados importantes sobre o princípio da igualdade, pois

considero que os argumentos expostos, além de serem machistas, indicam

um profundo desconhecimento acerca desse princípio.

Na filosofia e na teoria do direito, alguns especialistas se debruça-

ram sobre os modelos jurídicos de tratamento da diferença que repercu-

tem na configuração da igualdade e da desigualdade. Destacaremos aqui

uma análise de Ferrajoli, de final dos anos de 1980, que permite respon-

der com precisão aos argumentos aludidos. Porém, antes é necessário

fazer uma observação de cunho histórico, que nos permite identificar os

problemas com o desenvolvimento do princípio da igualdade e que pode

nos indicar por que os autores anteriormente citados fazem uma análise

que considero equivocada do princípio da igualdade

21

.

As constituições que surgem no final do século XVIII e durante o

século XIX rompem com o modelo de organização estamental da socie-

dade. Elas introduzem (e ao mesmo tempo se fundamentam), a tutela da

igualdade e da liberdade. Como sabemos, a sociedade estamental excluía

a mobilidade social e restringia o acesso ao direito de propriedade. O di-

reito casuístico, obviamente, tutelava esses valores.

21 Sobre os modelos de tratamento do princípio da igualdade, se deve consultar inicialmente: FERRAJOLI, Luigi.

Di-

ritto e ragione. Teoria del garantismo penale.

Laterza, Roma-Bari, 1989; e sua posterior obra

Principia Iuris. Teoria

del diritto e dela democrazia

, Laterza, Roma-Bari, 2007, 3 volumes. Um trabalho publicado entre estas duas obras

onde o autor retoma a reflexão sobre a questão da igualdade em face das diferenças entre os gêneros é o artigo de-

nominado “La differenza sessuale e le garanzie dell’uguaglianza”, publicado na revista italiana

Democrazia e Diritto

,

v. 2, 1993, p. 64 e ss. Aqui ele reconhece a existência de um direito próprio da mulher, aludindo ao feminismo da

diferença sexual. Os argumentos que a seguir exponho se fundamentam nestes três textos.