

175
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 72, p. 168 - 190, jan. - mar. 2016
Assim mesmo, fato é que, apesar da “politização” da
última ratio
da violência contra a mulher em diversos países que adotam o regime
democrático, milhares delas continuam sendo diariamente vitimadas em
diversas partes do mundo
14
.
Por outro lado, apenas uma avaliação global dessa problemática
permitirá refletir sobre o(s) modelo(s) de política pública que deve(m) ser
desenvolvido(s) para erradicar tal violência.
2. ESTADO PATRIARCAL
Cabe ainda uma última avaliação de cunho teórico, muito mais
complexa. Tudo o que foi dito até aqui sobre as supostas “contradições”
das autoridades do estado, que parecem se equivocar quanto ao tipo de
medidas públicas necessárias para combater o problema da violência con-
tra a mulher na atualidade, pode ser questionado se fizermos uma análise
da política de estado à luz da(s) teoria(s) feminista(s) do direito, especial-
mente se criticamos, no âmbito dessas teorias, aquelas de cunho liberal.
Ocorre que o Estado é patriarcal. Ele se fundamenta e se estrutura-se
em torno a valores patriarcais. Foram os “homens” (brancos, burgueses e
detentores de poder) que promoveram, no Ocidente, a derrocada da socie-
dade estamental, no final da segunda parte do XVIII na Europa. Foram os
homens que desenvolveram a ideologia liberal, que estabeleceram a divi-
são entre esferas pública e privada e que excluíram as mulheres do acesso à
esfera pública. O Estado moderno é prioritariamente um estado patriarcal.
Por tal motivo, aquilo que pode nos parecer, inicialmente, uma
contradição, uma falta de conhecimento da complexidade da problemáti-
ca da violência contra a mulher pelo próprio Estado, pode ser, na verdade,
uma postura condizente com a sua própria ideologia. Um governo de ho-
mens para homens. Mas não qualquer homem. Situando aqui apenas o
continente europeu, posso afirmar que o novo modelo de sociedade que
começa a ser desenhado a partir da Revolução Francesa e da Revolução
Industrial também excetua os homens pobres, negros e indígenas, para
estes não há cidadania nem participação na esfera pública.
De todas as formas, é sempre possível objetar e dizer que tomar
consciência de que o Estado tem gênero (e, por conseguinte, também o
14 CF. "
Modelo de Protocolo Latinoamericano de investigación de las muertes violentas de mujeres por razones de
género
",
op. cit.