

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015
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jurídico. Haverá condutas que, mesmo com esse mais amplo espaço para
estratégias econômicas, afigurar-se-ão desleais, violando a boa-fé.
A título de exemplo, é possível invocar precedentes do Superior
Tribunal de Justiça reconhecendo, em contratos de distribuição (tipica-
mente empresariais), o caráter abusivo da resilição unilateral abrupta e
imotivada por parte do fornecedor, sem notificação prévia concedendo
prazo razoável para que o distribuidor pudesse se planejar, o que violaria
a confiança legítima investida na relação
82
.
Desse modo, percebe-se que é possível pugnar pela necessidade de
uma especial liberdade no âmbito empresarial e, ainda assim, garantir o
controle das ações dos agentes econômicos por meio da boa-fé. O efetivo
risco da invocação da tese da mitigação para, na prática, neutralizar os
efeitos da boa-fé, é fator que não pode ser ignorado e deve ser comba-
tido. Não possui, contudo, a capacidade de afastar a diminuição da força
dos deveres laterais, que se impõe pelos motivos já expostos.
Aos empresários deve ser concedida autonomia para que possam
perseguir seus interesses patrimoniais, ainda quando contrapostos, sem
que tal postura impeça a construção de um ambiente contratual ético, em
conformidade com o ordenamento jurídico
83
.
7. BOA-FÉ, VULNERABILIDADE E DIGNIDADE: UMCOTEJONECESSÁRIO
Encontra-se na doutrina a referência de que, não obstante os con-
tornos específicos adquiridos pela boa-fé nos contratos interempresariais,
a constatação da vulnerabilidade em um dos polos da relação seria capaz
de atrair a força plena dos deveres instrumentais. Tal vulnerabilidade seria
caracterizada pela assimetria (de poderes econômicos, de informações...)
entre as partes da relação
84
. O delineamento dessa questão passa pela
correta compreensão do conceito de vulnerabilidade.
82 STJ, 3ª T., REsp 1255315/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13.09.2011. STJ, 4ª T., Rel. Min. Honildo Amaral deMello Cas-
tro (Des. conv. TJ/AP), j. 25.08.2009. Este último caso foi objeto de cuidadosa análise doutrinária em: MARTINS-COSTA,
Judith. "O Caso dos Produtos Tostines: uma atuação do princípio da boa-fé na resilição de contratos duradouros e na
caracterização da
suppressio"
. Comentários ao acórdão no REsp 401.704/PR (rel. Min. Honildo Amaral de Mello Cas-
tro – Desembargador convocado do TJ/AP, DJe 02.09.2009).
In
: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo (coord.).
O Superior
Tribunal de Justiça e a Reconstrução do Direito Privado
. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 513-542,
passim
.
83 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. "A Boa-Fé Objetiva...",
op. cit
., p. 40.
84 É o que sustenta Ricardo Lupion: “Da desigualdade das partes, da assimetria de informações ou da dependência eco-
nômica poderá resultar a vulnerabilidade de uma das partes e, conforme já referido neste trabalho, os deveres de conduta
decorrentes da boa-fé objetiva nos contratos empresariais poderão prevalecer diante da necessidade da proteção do
equilíbrio e das forças contratuais, a despeito da existência de partes contratantes profissionais voltadas para a obtenção
de lucros, já que os traços marcantes da atividade da empresa – profissionalismo, risco e lucros – deverão ser relativizados
diante da vulnerabilidade, bemmaior a ser protegido” (LUPION, Ricardo.
Boa-Fé Objetiva.
..,
op. cit.
, p. 176).