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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015

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Este caráter protetivo se exprime na função hermenêutica determi-

nando uma interpretação do acordo de modo a favorecer o contratante

vulnerável. Sob o prisma do direito positivo, pode-se afirmar que a vul-

nerabilidade existencial autorizaria a aplicação analógica do artigo 47 do

CDC

96

, por se tratar de meio idôneo à proteção da dignidade do vulnerá-

vel. Os deveres instrumentais imputados ao contratante n

ão vulnerável

se tornam

aprioristicamente mais intensos, refletindo o propósito defen-

sivo da invocação à boa-fé.

Frise-se que

a boa-fé só poderá assumir essa feição protetiva nas

relações empresariais quando houver um empresário individual em com-

provado estado de vulnerabilidade existencial

.

Quando constatada mera assimetria de poderes entre os contra-

tantes, ou seja, vulnerabilidade patrimonial, a verticalidade da relação

impõe maiores restrições à autonomia negocial, ampliando a intensidade

dos deveres e limitações irradiados da boa-fé, afastando-se a mitigação

apontada no contexto empresarial. A questão é objeto de densa reflexão

por parte de Judith Martins-Costa:

“Enfim, o intérprete deve tambémmergulhar no fato para ave-

riguar como se apresentam as respectivas situações jurídicas

subjetivas e como é traçada a efetiva relação de poder, jurí-

dico e de fato, entre os partícipes do vínculo. Se se tratar de

uma relação entre empresas e não houver uma situação de

monopólio de fato, mas de relativa igualdade de negociação,

o dever de informar, gerado pela boa-fé, terá muito menor in-

tensidade do que na hipótese de a relação estar fundada em

assimetria entre as partes, em estruturas faticamente verticais

que desmentem o mito de uma ‘horizontalidade’ ínsita às rela-

ções interprivadas e, portanto, nelas sempre presentes. Aliás,

a

maior ou menor atuação da boa-fé objetiva e o maior ou me-

nor espaço concedido à autonomia negocial estão em direta

dependência da estrutura, horizontalizada ou verticalizada,

simétrica ou assimétrica, subjacente à relação jurídica em

causa.

Quanto maior o peso da horizontalidade, maior será o

espaço da autonomia negocial e com menor intensidade inci-

dirá a boa-fé em sua função limitadora de direitos subjetivos,

96 “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”