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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015

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dos naquelas esferas, encontram-se presentes apenas de maneira reflexa

nas relações comerciais. Daí a conclusão de que, sendo as relações mer-

cantis instrumento de satisfação de interesses meramente patrimoniais

dos agentes (não obstante a necessidade de respeito aos valores extrapa-

trimoniais promovidos pela sua função social), deve ser autorizada uma

maior liberdade de atuação destes, sendo menos rígidos os parâmetros

de aferição da abusividade de suas condutas.

Tal conclusão não implica, obviamente, a consideração de que ne-

nhumato poderá ser reputado ofensivo à boa-fé no campo comercial. Judith

Martins-Costa traz à colação caso concreto no qual se averiguou o exercício

abusivo (ou disfuncional, na terminologia adotada pela autora) de posição

contratual em pacto entre empresários. Tratava-se de contrato celebrado

entre fornecedora e distribuidora para prestação de serviço de distribuição

de cartões telefônicos, com vigência pelo prazo de doze meses, prorrogável

por igual período, no qual se previa prazo para pagamento de 30 dias após

o recebimento dos cartões, contendo cláusula de rescisão. No mesmo dia

em que se acionou a referida cláusula, ajustou-se novo contrato, de teor se-

melhante ao primeiro, que, contudo, não previa expressamente o prazo de

pagamento. Aproveitando-se dessa lacuna, passou a fornecedora a exigir

o pagamento em prazo mais curto que o anterior, amparada no artigo 331

do Código Civil

59

. Em razão disso, a distribuidora, que contava com a venda

dos cartões para terceiros para que pudesse auferir recursos e adimplir sua

prestação, ficou impossibilitada de efetuar o pagamento no prazo devido.

A antijuridicidade da conduta da fornecedora decorre do fato de que, em-

bora tenha atuado com respaldo em dispositivo legal, não concedeu à con-

traparte prazo suficiente para se adaptar à nova realidade, inviabilizando a

atividade econômica da distribuidora

60

.

Se a limitação de direitos e a imposição de deveres são duas faces

de uma mesma moeda

61

, admitir parâmetros menos rígidos para a aferi-

59 “Art. 331. Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento, pode o credor

exigi-lo imediatamente”.

60 O caso foi levado ao judiciário gaúcho (TJRS, 15ª C.C., AC nº 70010341121, Rel. Des. Angelo Maraninchi Gian-

nakos, j. 06.07.2005), e encontra-se relatado em: MARTINS-COSTA, Judith. "O Exercício Jurídico Disfuncional...",

op.

cit.

, p. 54-55.

61 Como bem notou a doutrina: “A rigor, as três funções apontadas acima poderiam ser reduzidas a apenas duas:

(i) a função interpretativa dos contratos e (ii) a função criadora de deveres anexos. Tecnicamente, são estes deveres

anexos, que formando o núcleo da cláusula geral de boa-fé, se impõem ora de forma positiva, exigindo dos con-

tratantes determinado comportamento, ora de forma negativa, restringindo ou condicionando o exercício de um

direito previsto em lei ou no próprio contrato” (TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. "A Boa-Fé Objetiva"...,

op. cit.

, p. 37).