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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015

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A expressão “vulnerabilidade” adquiriu maior importância com o

advento do Código de Defesa do Consumidor, que traz, em seu artigo 4º,

I o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de

consumo” como um dos princípios da Política Nacional das Relações de

Consumo. A transposição desta noção do campo consumerista para as

relações contratuais em geral resultou na invocação de um princípio ge-

nérico de proteção ao contratante vulnerável

85

.

A doutrina consumerista explica a vulnerabilidade como sendo

um estado inerente de risco da pessoa que desequilibra a relação jurídi-

ca

86

. Procede, então, à sua decomposição em quatro espécies:

i

) técnica:

a ausência de conhecimentos específicos sobre o objeto do negócio;

ii

)

jurídica: ausência de conhecimentos jurídicos, contábeis ou econômi-

cos;

iii

) fática ou socioeconômica: concreta superioridade de um dos

sujeitos da relação em razão de monopólio, grande poder econômico

ou essencialidade do serviço, e

iv

) informacional: déficit de informações

por parte de um dos sujeitos

87

.

Dessa forma, parece clara a relação entre a vulnerabilidade e a

isonomia, sendo necessário um tratamento diferenciado do contratan-

te mais frágil para que se garanta a observância à igualdade material

88

.

No entanto, é possível compreender a vulnerabilidade de uma forma

diversa, relacionada não apenas à igualdade mas também, e em última

85 SCHREIBER, Anderson. "Princípios Fundamentais do Direito dos Contratos".

In

: MORAES, Carlos Eduardo Guerra de;

RIBEIRO, Ricardo Lodi (coords.). MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; MEIRELES,

Rose Melo Vencelau (orgs.).

Direito Uerj 80 Anos: Direito Civil

. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 218-219.

86 Na lição original: “a vulnerabilidade é mais um estado da pessoa, um estado inerente de risco ou um sinal de con-

frontação excessiva de interesses identificados no mercado, é uma situação permanente ou provisória, individual

ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação. A vulnerabilidade não é, pois,

o fundamento das regras de proteção do sujeito mais fraco, é apenas a ‘explicação destas regras ou da atuação do

legislador, é a técnica pra aplicar bem, é a noção instrumental que guia e ilumina a aplicação destas normas prote-

tivas e reequilibradoras, à procura do fundamento da Igualdade e da Justiça equitativa” (MARQUES, Cláudia Lima.

Contratos no Código de Defesa do Consumidor

: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl.,

2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 269-270).

87 MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno.

O Novo Direito Privado

...,

op. cit

., p. 154-159. Como argutamente

constatado por Anderson Schreiber, esses múltiplos critérios podem, inclusive, ser conflitantes entre si (ex: um dos

contratantes é economicamente vulnerável enquanto o outro é tecnicamente vulnerável) (SCHREIBER, Anderson.

"Princípios Fundamentais...",

op. cit.

, p. 220).

88 Cláudia Lima Marques estabelece uma ligação entre igualdade e vulnerabilidade: “a igualdade é uma visão ma-

cro, do homem e da sociedade, noção mais objetiva e consolidada, onde a desigualdade se aprecia sempre pela

comparação entre situações e pessoas [...].

Já a vulnerabilidade é filha deste princípio

, mas noção flexível e não

consolidada, que apresenta traços de subjetividade, que a caracterizam: a vulnerabilidade não necessita sempre de

uma comparação entre situações e sujeitos” (grifo nosso) (MARQUES, Cláudia Lima.

Contratos no Código de Defesa

do Consumidor

,

op. cit.

, p. 269).