

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015
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Se é possível conceber a proteção dos sujeitos vulneráveis no âmbito
contratual, a mesma lógica não pode ser estendida ao campo específico
das relações mercantis. Conforme já asseverado, nessa espécie de contrato,
são postos em jogo interesses unicamente patrimoniais. Mais que isso: as
pessoas jurídicas que desenvolvem atividades econômicas (no caso, as so-
ciedades empresariais) titularizamexclusivamente interesses patrimonias
93
.
A vulnerabilidade existencial, conceito jurídico vinculado à pessoa humana,
sua dignidade, e os interesses existenciais que dela decorrem, torna-se, por
definição, inaplicável à hipótese. Destarte,
em regra, não há que se falar em
tutela da vulnerabilidade existencial em contratos entre empresários
.
Vislumbra-se, no entanto, uma exceção ao enunciado acima. Como
se sabe, a configuração da empresa prescinde de constituição na forma
societária, podendo ser exercida a atividade empresarial por pessoa na-
tural, o chamado empresário individual. O empresário individual exerce
a empresa em nome próprio, respondendo ilimitadamente pelas obri-
gações contraídas no exercício de sua atividade econômica. Embora seja
titular das situações patrimoniais vinculadas à exploração da empresa,
também é possuidor de dignidade e das situações existenciais que dela
defluem, podendo ser admitido, ao menos em tese, que se apresente
como vulnerável (no aspecto existencial) em suas relações econômicas
com outros empresários
94
. Tal vulnerabilidade, no entanto, deve sempre
ser demonstrada, e jamais presumida, em razão de seu caráter notoria-
mente excepcional, afastando-se da presunção de hipersuficiência impu-
tada aos empresários.
O reconhecimento da vulnerabilidade existencial de um dos contra-
tantes enseja uma aplicação mais intensa do princípio da dignidade hu-
mana, que atua sobre a eficácia da boa-fé objetiva para lhe conferir um
verdadeiro
caráter protetivo
. Em que pese este caráter não integrar ontolo-
gicamente o conteúdo da boa-fé objetiva
95
, é preciso recordar que a boa-fé
se adapta às circunstâncias do caso concreto, sendo a (possível) vulneração
à dignidade de uma pessoa um dado particularmente relevante.
93 TEPEDINO, "O Direito Civil-Constitucional e suas Perspectivas Atuais".
In
:
Temas de Direito Civil
, t. III. Rio de
Janeiro: Renovar, 2009, p. 33. No mesmo sentido, o Enunciado 286 da IV Jornada de Direito Civil do CJF: “Os direitos
da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as
pessoas jurídicas titulares de tais direitos”.
94 Além do empresário individual e da sociedade empresarial, a Lei nº 12.441, de 2011, incluiu no Código Civil a fi-
gura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Tratando-se de nova espécie de pessoa jurídica exercente
de atividade econômica, aproxima-se mais, para os efeitos aqui analisados, da figura da sociedade, não devendo lhe
ser reconhecida a vulnerabilidade existencial nas relações que travar com outros empresários.
95 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. "A Boa-Fé Objetiva...",
op. cit.
, p. 34.