

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015
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instância, à própria dignidade humana
89
. A questão foi bem percebida
por Carlos Nelson Konder:
“Trazida do cenário da saúde pública, [a vulnerabilidade] foi
presumida e generalizada nas relações de consumo, mas a re-
cente doutrina a devolve à sua origem natal, restabelecendo e
aprofundando o vínculo entre esse conceito e a inexorável fra-
gilidade da condição humana. Nessa toada, diversos estudos
foram publicados, dedicando-se à construção de mecanismos
de tutela diferenciados para esses sujeitos submetidos, em sua
humanidade, a condições ainda mais delicadas e mais necessi-
tadas de tutela, com fundamento na solidariedade”
90
.
Em um valioso esforço de sistematização, o autor procura distin-
guir duas situações que, embora similares, encontram fundamentos axio-
lógicos distintos. Dessarte, deve ser reconhecida como
vulnerabilidade
existencial
“a situação jurídica subjetiva em que o titular se encontra sob
maior suscetibilidade de ser lesionado na sua esfera extrapatrimonial”,
revelando verdadeira expressão do princípio da dignidade da pessoa hu-
mana. Por outro lado, a
vulnerabilidade patrimonial
“se limita a uma po-
sição de inferioridade contratual, na qual o titular fica sob a ameaça de
uma lesão basicamente ao seu patrimônio, com efeitos somente indiretos
à sua personalidade”
91
.
O enquadramento da relação jurídica como obrigacional, perten-
cente, portanto, ao campo patrimonial, não afasta a tutela da vulnerabili-
dade existencial. Essa vulnerabilidade pode decorrer tanto do fato de que,
em algumas hipóteses, as situações existenciais integram a própria estru-
tura do contrato, como de que, em outros casos, os contratos se revelam
como meios de satisfação a interesses existenciais
92
.
89 Como faz Maria Celina Bodin de Moraes: “Com efeito, da mesma forma que em Kant com a ordem moral, é na
dignidade humana que a ordem jurídica (democrática) se apóia e se constitui. Neste ambiente de um renovado
humanismo, a vulnerabilidade humana será tutelada, prioritariamente, onde quer que se manifeste. Terão prece-
dência os direitos e as prerrogativas de determinados grupos considerados, de uma maneira ou de outra, frágeis e
que estão a exigir, por conseguinte, a especial proteção da lei.” (BODIN DE MORAES, Maria Celina. "O Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana".
In
:
Na Medida da Pessoa Humana:
estudos de direito civil-constitucional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2010, p. 83-84).
90 KONDER, Carlos Nelson. "O Segundo Passo: do consumidor à pessoa humana".
Revista Brasileira de Direito Civil
,
v. 1, jul./set., 2014, p. 295.
91 KONDER, Carlos Nelson. "Vulnerabilidade Patrimonial e Vulnerabilidade Existencial: por um sistema diferencia-
dor".
Revista de Direito do Consumidor
. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 99, mai./jun., 2015, p. 111.
92 MEIRELES, Rose Melo Vencelau.
Autonomia Privada e Dignidade Humana
. Rio de Janeiro: Renovar, 2009,
p. 290-294.