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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015

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das práticas contratuais, que a boa-fé terá uma função

verdadeiramente inovadora. Ou não.”

78

De fato, com o advento do CDC, os tribunais, inexperientes quanto

ao uso das cláusulas gerais e desconhecendo os contornos dogmáticos da

boa-fé, acabaram empregando a norma indistintamente como fundamen-

to ético de suas decisões, mesmo naqueles casos em que a vasta gama

de instrumentos protetivos ofertados pela legislação eram suficientes e,

inclusive, melhor adequados para o deslinde da situação

79

. Generalizou-

-se sua invocação enquanto “argumento ‘forte’”, muitas vezes equiparada

à equidade, o que dificulta a diferenciação entre a sua utilização como

recurso retórico e sua referência como verdadeiro fundamento técnico-

-jurídico de uma decisão judicial, tornando difusos seus traços distintivos

em relação a outros institutos

80

.

Em síntese, a apreciação equivocada sobre a operatividade especí-

fica adquirida pelo princípio naquele campo normativo ensejou um amplo

processo de aplicação patológica pelos intérpretes. Em tese, seria possível

que processo semelhante se desse no âmbito comercial, mutatis mutandis.

No entanto, a defesa de uma mitigação da intensidade dos deveres

anexos nesse domínio não objetiva imunizar os negócios mercantis aos

novos princípios instrumentais da solidariedade social no direito privado.

Fazê-lo seria promover verdadeiro retrocesso histórico, aplicando-se aos

contratos empresariais omodelo liberal clássicode contrato, caracterizado

pela exacerbação do individualismo e do voluntarismo, regido predomi-

nantemente pelo princípio da autonomia da vontade.

A atuação diferenciada da boa-fé objetiva no contexto mercantil de-

corre da compatibilização sistemática da “diretriz da solidariedade”, opera-

cionalizada pelo princípio da boa-fé

81

, com os demais princípios constitu-

cionais que norteiam as atividades econômicas (v. art. 170, CF). A menor

intensidade dos deveres secundários, ou o reconhecimento de um maior

espaço de autonomia sem incorrer em abusividade, não equivalem à possi-

bilidade de agir em completa liberdade, sem qualquer espécie de controle

78 NEGREIROS, Teresa.

Teoria dos Contratos

: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 154.

79 TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. "A Boa-Fé Objetiva"...,

op. cit.

, p. 31-33.

80 MARTINS-COSTA, Judith. "Os Campos Normativos"...,

op. cit.

, p. 397-398.

81 MARTINS-COSTA, Judith. "Mercado e Solidariedade Social entre

Cosmos

e

Taxis

: a boa-fé nas relações de con-

sumo".

In

: MARTINS-COSTA, Judith (org.).

A Reconstrução do Direito Privado

: reflexos dos princípios, diretrizes e

direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 633-634.